quinta-feira, 30 de agosto de 2007

Silvio Sensível

Um dia, terei um filho (ou filha) e chegará um momento da sua vida juvenil em que teremos uma conversa séria: "moleque (ou 'filhinha linda do papai', se for menina), cuidado com as coisas que você fala no colégio, pois elas podem lhe queimar pelo segundo grau inteiro. Se a estupidez for muito grande, suas palavras lhe acompanharão pela vida inteira". Acredito que o pai do Silvio não lhe deu esse conselho. No meio da apresentação de um trabalho de história geral, meu bom amigo selou seu destino:

- ... é porque sou muito sensível e...

Gargalhada geral que ecoou por todos os corredores do colégio. Até quem não estava prestando atenção na aventura do descobrimento da América ouviu essa declaração. Daquele instante em diante, o garoto tímido nunca mais foi conhecido por outro nome senão Silvio Sensível.

Mantive o contato com Silvio Sensível e nunca esquecemos daquela fatídica aula de história. Até rimos daquele momento.

- Sabe, meu amigo, eu realmente sinto as coisas. Não sei como explicar, mas percebo boas pessoas, boas vibrações, e, às vezes, sinto até o perigo – Silvio Sensível me revelou já depois da faculdade.

- Como um paranormal? – perguntei fazendo pouco caso.

- Não chega a tanto. Eu simplesmente percebo coisas que não sei explicar.

Parei com as brincadeiras. Silvio Sensível realmente pensava que era um X-Man.

Anos depois, reencontrei Silvio Sensível e fomos tomar um chopp para colocar a fofoca em dia. Ele me contou que estava apaixonado:

- O nome dela é Ângela. Eu a conheci no trabalho e fiquei encantado com sua risada. Além de linda, ela tem a risada mais gostosa do mundo. Dá vontade de rir com ela seja lá qual for a piada - essa era uma frase típica do Silvio Sensível.

O tempo passou e meu afetuoso amigo sumiu. Só fui reencontrá-lo anos depois em uma festa. Minha primeira pergunta foi óbvia:

- E a Ângela, Silvio Sensível? – o que eu não esperava era que aquela paixãozinha tinha se tornado um épico.

- Ela saiu do trabalho, mas ficamos nos falando esporadicamente. Nos anos seguintes, marcamos chopps, combinamos shows, agendamos festas, escolhemos programas de todas as formas, e nada saiu do papel. Meu amor por ela se recolheu – outra frase típica do Silvio Sensível.

- Pena, amigão.

- Mas aí é que tudo fica esquisito. Eu a encontrava sem querer. Tinha uma reunião de trabalho e ela era a cliente. Eu estava na muvuca do show da Ivete Sangalo e ela estava lá. Eu andava na praia e ela estava vindo na contramão. Mês passado, eu me meti em um retiro religioso lá no raio-que-o-parta e quando olho para o lado, quem estava lá?

- Ângela Onipresente.

- Exato. Quando tive oportunidade, eu falei tudo que sentia – e vindo do Silvio Sensível, imagino que a menina foi soterrada, coitada dela -, falei sobre as borboletas que sentia no estômago quando pensava nela, sobre como eu ficava bobo a ponto de ver a lua por causa dela, como eu me sentia aflito perto dela, como eu gostava de ouvir sua voz, sobre o lance da risada.

- E o seu poder mutante de sentir as outras pessoas, rapaz?

- Só sentia um carinho recíproco, uma doçura, sei lá.

- E...?

- Eu a beijei...

- Boa, garoto! Sabia que você não iria me desapontar.

- Quando acabou o retiro, fui deixá-la em casa e no caminho ela adormeceu no banco do carona. Você não tem idéia do quanto eu adorei vê-la dormindo ao meu lado. Acho que eu seria um homem feliz só em poder vê-la descansar pertinho de mim. Quando chegamos, ela disse "você é um irmão pra mim".

Parêntesis.

Queria aproveitar esse momento para dizer a todas as mulheres do universo que chamar um homem de irmão é uma ofensa sem tamanho. O cidadão fica sem chão, sem teto, sem norte, enfim, chame-o de um palavrão cabeludo, mas não de irmão. Pelamordedeus!

Voltando ao drama, fiquei miudinho com o desfecho da história. Sentia que Silvio Sensível fazia planos. Aposto que ele chegaria ao ponto de mandar flores. Coisa de homem raro hoje em dia.

- Nunca mais nos falamos ou nos encontramos sem querer. Acho que não nos veremos mais. E sabe o que é mais engraçado? – ele constatou com os olhos marejados.

- Fala.

- Saca o nome: Ângela. Ela é um anjo, bicho. Simplesmente, apareceu, me encheu de amor, de coisas boas e foi embora. Deve ter voltado para o paraíso.

Nessa hora, eu quis ser o Silvio Sensível e ver o mundo com toda aquela sensibilidade que só ele tinha.




*

Ângela, onde você estiver, saiba que Silvio Sensível sempre sentirá borboletas no estômago quando pensar em você.



--x---

QUAL A MORAL DA HISTÓRIA,
HE-MAN?
Olá, amiguinho. Caso você tenha mais de 18 anos, deve lembrar de mim e das minhas aventuras. Se tiver menos, nem deveria estar lendo esse blog. Enfim, ao fim de cada episódio, eu contava a importante lição que estava subentendida na trama. Aqui também tem uma. No caso do Silvio Sensível, o bacana é acreditar que vai rolar. Quando você tem fé, você investe na pessoa amada, mesmo contra as probabilidades. Você pode até quebrar a cara como o pobre Sensível, mas jamais terá o arrependimento de deixado algo por fazer. Ah, amiguinha, não esqueça de nunca em sua vida usar as palavras irmão ou grande amigo durante uma declaração de amor. Nem que a vaca tussa. Até a próxima.

segunda-feira, 27 de agosto de 2007

O que eu fiz no verão passado

Casamento e novela das oito são muito parecidos: quase sempre o mesmo roteiro, mas com personagens diferentes. Pegando só o dia D, tem a cerimônia, a hora do sim, a festa (certamente, a parte mais interessante), o lançamento do buquê, os convidados bêbados e as fotos batidas aos zilhões. Entre todos os clichês, dois aspectos tornam um matrimônio especial: você é o(a) noivo(a) ou alguém importante na sua vida está trocando alianças.

Recentemente, um amigo de infância casou – talvez, o melhor amigo de infância. E mesmo que a gente tenha perdido um pouco do contato, isso não passa impunemente. Enquanto o sujeito estava lá no altar fantasiado de pingüim e com os olhinhos brilhando, eu sentia claramente que um ciclo estava se fechando para o início de outro. Óbvio demais, não? Pois é, mas nem sempre esse "óbvio" fica tão assustadoramente evidente.

No momento do "eu te aceito como minha esposa e etc etc etc", eu retornei dezesseis, dezoito anos. Nossa vida era ler os gibis do Homem-Aranha, ir ao cinema na matinê, comer no Bob's, jogar futebol ou queimado, brincar de verdade-ou-consequência e planejar festinhas americanas (meninas trazem salgadinho e meninos trazem refrigerante) para poder fazer a dança da vassoura e arrancar os primeiros beijos das menininhas. Você se lembra da dança da vassoura? Saca só: em algum instante da festinha, alguém colocava alguma música lentinha (de preferência uma do Roxette, bem mela-cueca) e os casais dançavam de rostinho colado. Um infeliz sobrava e era obrigado a ficar com uma vassoura durante um interminável minuto. Depois, ele podia escolher seu alvo e passar a vassoura para outro guri, que teria que sofrer por mais um minuto. Dependendo do casal importunado, rolava até briga.

Mas, estamos fadados à triste sina de crescer e abandonar a infância e as irresponsabilidades da adolescência. De repente, não dá mais para ver o Globo Esporte e tirar uma soneca durante o Jornal Hoje antes de ver "Os Goonies" na Sessão da Tarde. Não sobra mais tempo para nada, além de trabalhar, planejar o pagamento das contas, estudar para a prova de finanças do MBA e arrumar um programa legal para levar a gatinha. No meu caso, até blog eu arrumei para escrever.

Voltando ao casamento, a festa foi ainda mais nostálgica. As priminhas que eram pequenininhas e bobinhas viraram mulherões. Cada vara-pau de um metro e oitenta que intimidaria qualquer atrevido. Poxa, com que direito elas cresceram? Eram tão engraçadinhas com nove ou dez anos, enquanto tínhamos maduros treze anos. Já era! Algumas já casaram ou estão noivas, e outras entraram em algum relacionamento sério. Tornaram-se mulheres lindas, mas eu só conseguia enxergá-las como aquelas garotinhas de verões passados.

A gente riu durante todo o reencontro. Lembramos de todas as algazarras que fizemos. Aventuras tão distantes que pareciam ter sido protagonizadas por outras pessoas, não nós. Brindamos com vinho e uísque (um privilégio da maioridade) e num lampejo de sobriedade, percebi que muito do que sou hoje se deve aos meus amigos de infância. O Flamengo, o jiu-jitsu, a admiração pela bossa-nova, jogar Master, curtir cinema, ler histórias em quadrinhos, rir com Os Skrotinhos e por aí vai. O cara de quase trinta anos ainda tem muito do moleque magrinho de treze.

E em homenagem aos velhos tempos, usei o álibi da bebida para uma última aventura irresponsável. Lá pelo fim da festa, subi num ponto alto e comecei a dançar como um alucinado. Conquistei a atenção da massa e tirei o paletó. Aí ouvi os primeiros gritos de "Tira! Tira!". Joguei a gravata e foi o frenesi geral. Abri a camisa e foi um urro. No fundo, lá de muitos anos atrás, eu quase ouvi meu padrinho repetir o que dizia quando éramos fedelhos.

"Esses meninos são uns pavões. Não vão mudar nunca".

Não mesmo. Que bom!

quinta-feira, 23 de agosto de 2007

O destino de Kleber

Certas pessoas nunca chegam a ser amigos de fato, mas passam por nossas vidas e deixam como legado algumas proezas que quem ouve acha que é cascata. São "conhecidos", "parceiros", "colegas" ou similares, mas que sempre aparecem em alguma recordação esdrúxula. São como episódios de do "Seinfeld": você lembra de trechos, mas acaba não sabendo quando aconteceu. Um exemplo é o Kleber, um amigo (forçando a barra) nesse estilo. Acabamos seguindo caminhos diferentes e o contato acabou reduzido até desaparecer.

Bom, antes de contar uma dessas peripécias você precisa visualizar o Kleber. A grosso modo, ele era assim: indivíduo alto, rato de academia, forte que nem um búfalo, cabelo curtinho, queixo quadrado e um guarda-roupa onde era impossível encontrar uma camisa em tamanho adulto. Costumávamos dizer que ele só comprava suas camisas na Bicho Comeu ou na Lilica Ripilica. (aliás, que nome engraçado esse: Lilica Ripilica). Captou a figura?

Mas, contrariando todo o arquétipo do bronco, Kleber era um indivíduo gente fina, pacífico e sereno. Só não era companheiro de chopp, pois não bebia uma gota de álcool sequer. Era o tipo do cara que chegava no bar, pedia um Gatorade e ainda complementava: "Traz bem gelado, garçom".

Outro talento de Kleber era com a mulherada. Por fazer o tipo fortão-de-camisa-coladinha, a reação era oito ou oitenta. Elas concluíam que ele era gay ou que era gato e valia a tentativa. Mesmo com a vantagem do físico, o cara era capaz de colocar tudo em risco com alguma frase adoravelmente sem noção. Certa vez aproximou-se de uma menina e disparou essa: "Está o maior frio, né? Você não quer me aquecer, não?". Pior que a menina topou virar cobertor do Kleber.

Em um fim de semana perdido no tempo e espaço, decidimos mexer com as filhas dos outros fora do Rio. Subimos a serra e fomos para Itaipava. Lá no friozinho da serra, Kleber conheceu Ilana e mandou outra de suas pérolas. Pena que essa eu não tive o prazer de ouvir, mas deu certo. A guria caiu nos seus encantos e eles ficaram juntos a noite inteira. Trocaram telefones e ficaram se falando durante semanas. O cupido foi certeiro.

Durante esse tempo, eu tive que aturar os pedidos insistentes de que editássemos a Operação Itaipava 2 – A Revanche. Chegou uma hora que cansei.

- Ta bom, Klebão. Vamos nessa! – e lá fomos nós subindo a montanha.

O casal se reencontrou e sumiu. Eu fui procurar alguma loirinha petropolitana de ascendência alemã para conversar. Aliás, essa é uma história de muitos anos atrás. Eu estava na flor dos 20 aninhos e não tinha as malícias do jogo. Não tenho até hoje, mas me divirto. Antes, eu ficava tenso. Placar final da noite: 0x0 monótono.

Mas, não é o meu score que importa. Quando Kleber voltou, já com o dia claro, fiquei sabendo de uma das conversas mais hilárias desde que Adão foi passar sua primeira cantada na Eva.

Vamos ao flashback:

Bem serelepe, o casal iniciou os amassos tórridos no carro. Vendo que o bicho estava pegando, Kleber partiu para a ofensiva.

- Vamos sair daqui.

- Demorou!

E lá foram eles zanzando por Itaipava. Depois de alguns minutos, Kleber levantou a bola:

- Então, você quer ir pra onde?

- Não sei – imagine essa frase dita grudentamente manhosa.

- Então, você quer ir pra onde? – Kleber repetiu já tremendo.

- Vamos para onde o destino nos levar.

Ui! Essa foi digna da seção de cartas da revista Capricho.

Kleber olhou para as ruas à sua frente, olhou para a Ilana, voltou a olhar para as ruas e, à sua maneira, refletiu toda a honestidade que cabia em seu ser:

- Olha só, eu não sou daqui. Dá para você me dizer onde fica o destino?

E quem disse que Ilana se fez de rogada?

- Pega o próximo retorno, porque o destino ficou para trás.

Vem cá, poderia ser diferente com o Kleber?


PS: O relacionamento não resistiu aos sobes e desces da serra.

sábado, 18 de agosto de 2007

O vermelho, o preto e os olhos azuis

Mulheres têm TPM. Eu tenho o Flamengo. Pouquíssimos elementos existentes entre o céu e a terra têm o poder de interferir tão diretamente no meu humor. Resumidamente, quando o Flamengo joga, o tempo fecha. Não atendo o telefone, não sou gentil, não sou politicamente correto e fico perturbado. Eu viro bicho. Se o time ganha, eu fico nas nuvens, mas se perde... sai de baixo. Quem já leu "Febre de Bola", do Nick Hornby , sabe como me sinto.

- Me leva ao Maracanã. Quero ver um jogo do Flamengo com você – Elis pediu ao mesmo tempo que me encarou com aqueles olhos azuis do tamanho do mundo.

- Você já viu algum jogo do Flamengo? – perguntei.

- Dois.

- E como foi?

- Nunca ganhou. Foi goleado pelo Palmeiras e empatou com o Cruzeiro – congelei. Esse é o tipo de informação que eu poderia ter ficado sem saber. Ir ao Maraca é um ritual sagrado e a menina tinha uma era glacial inteira em cada pé.

- Olha, Elis, é um programa perigoso, e também tem...

- Por favor – aqueles olhos azuis imensos me desarmaram. Quando percebi, eu estava atravessando o Túnel Rebouças rumo ao estádio. No cd-player, ela botou "He got game", do Public Enemy. Uma mocinha que curte essa música merece meu total crédito. Mas, o pé-frio não me deixava tranqüilo.

Ai, ai, ai...

Escolhi a dedo um jogo contra um time de fora do Rio e sem nenhuma tradição. Tinha que combater o retrospecto negativo da Elis e manter a imagem de bom rapaz. A vítima seria o Náutico.

Chegamos ao Maracanã e parecia final de campeonato. Um verdadeiro oceano vermelho e preto. Caímos da fila do estacionamento da UERJ para deixar o carro em segurança. O raio da fila não andava e faltavam dez minutos para a bola rolar. Eu já ouvia a massa cantando e comecei a suar frio. Só restava um carro na nossa frente. A agonia estava perto de acabar. O carro entrou e o guarda fechou o portão.

- Lotado!

Nããããããão!

E o jogo começou. Pensei que teria um infarto. Como aquele mundo de gente, seria mais fácil achar uma virgem na PUC do que uma vaga perto do Maracanã. Nesse momento, Elis fez o que faz de melhor: foi espetacular.

- Seu guarda, vem aqui, por favor – o pobre coitado veio.

- Lotado, senhora.

- Poxa, só faltou a gente. Eu e o meu irmão pegamos um trânsito terrível. Deixa a gente entrar e esperar uma vaguinha lá dentro.

- Mas, senhora, veja bem...

- Por favor...

Zapt! O cara foi pego como eu pelos olhos azuis gigantes. Ficou de queixo caído e fez o que qualquer homem com o mínimo de vergonha na cara faria.

- Claudecir, libera mais esse.

Entramos e achamos uma vaga em menos de cinco minutos.

O jogo? Ah, o jogo foi sofrido, mas tudo acabou bem. O Flamengo fez dois a um no Náutico. Imagina se aqueles 11 marmanjos iriam contrariar aqueles olhos azuis.

terça-feira, 14 de agosto de 2007

Marie Claire e eu

Sou fã de carteirinha da revista Marie Claire. Na verdade, eu adoro a Marie Claire a ponto de certa vez cogitar batizar minha futura filha com esse nome. A idéia só durou dez segundos, mas existiu.

Enfim, gosto da Marie Claire porque é revista de mulher. Eu, no papel de pesquisador e devoto delas, não posso me contentar em ficar lendo VIP ou Men's Health. Minha intenção é penetrar de mansinho no banheiro feminino e conhecer os detalhes sórdidos que só a Marie Claire ousa publicar – com o aval da mulherada. Pulo as bobagens sobre moda, fofocas e compras e vou direto na sacanagem. Quer coisa melhor?

Pois bem, lá pelo meio da revista tem um espaço dedicado aos homens. Não é nada além de uma página deliciosamente tendenciosa e parcial sobre o comportamento (sexual) masculino. Pode ser uma entrevista, uma curiosidade ou uma pseudo-reflexão sobre os homens. Tudo, claro, sob o olhar feminino.

Outro dia, eu estava devorando uma edição e cheguei nessa seção. O texto era relacionado a mitos sobre o pensamento masculino a respeito das mulheres. Até aí, nada de mais. Só que lá pelas tantas, surge a declaração do pobre rapaz na berlinda feminina: "o que me excita mais é quando a mulher demonstra que me deseja tanto ou mais do que eu a desejo". Cara, isso foi visceral. Imagina o êxtase de flertar com aquela mocinha e você se achar o garanhão, o dominador, quando, de repente, ela te fulmina de volta com olhos de desejo redobrado. Minhas pernas ficam bambas e minhas pupilas dilatam só de imaginar.

Nelson Rodrigues brilhantemente sintetizou: "a parte mais indecente do ser humano é o olhar". Por essas e outras, o que me dá arrepios do cóccix até o pescoço é a forma como a mulher encara. Quanto mais segura e decidida, mais fico rendido, encantado. Eu me sinto como o sábio Homer Simpson diante do donut e de uma lata de Duff.

E se ela souber conciliar o olhar com a ação, aí é covardia. Além dos olhos, ela usa e abusa do sorrisinho malicioso, o gesto com as mãos, o tom de voz diferenciado, e o balançar dos cabelos. O xeque-mate vem com algum movimento que o pobre homem percebe que foi exclusivamente para ele. Pronto, os papéis se trocaram. Momento para uma metáfora Discovery Channel: ela se torna o leão e ele, feliz da vida, veste a pele da zebrinha manca. É a fome com a vontade de comer.

Lembro da Sharon Stone em "Instinto Selvagem" (o primeiro, pois o segundo eu não me preocupei em ver. Tenho uma memória afetiva para guardar e não quero corrompê-la). Mesmo que não houvesse a cruzada de pernas matadora, a personagem já seria a personificação da sensualidade só pelo jeito como ela desmontava o Michael Douglas. Tadinho dele. Samantha, de "Sex and the City", é uma colegial tímida perto do desejo despudorado da Sharon.

Agora, o momento redentor.

Será que nós, pobres meninos fantasiados de homens, estamos correndo o risco de dominação? Algum dia, acabaremos em casa tomando conta das crianças e fazendo o jantar? Não, eu garanto. Sabe por quê? Por dois motivos:

1. Não são todas que desenvolvem essa arte. Poucas têm a faixa preta na cintura, pois essa arte milenar não se aprende em qualquer lugar.

2. Por mais poderosas e seguras que sejam, toda mulher quer adormecer no peito do homem amado. Quer desfalecer no abraço carinhoso do seu querido e sussurrar (mesmo que de mentirinha): "Amor, você é sempre assim tão bom?"

Nessa hora, a técnica fatal feminina está desarmada. Só resta o olhar doce, o toque carinhoso e aquela respiração longa e pausada. Aí sim, nós fingimos que estamos no topo do mundo e as apertamos forte.

"Não, querida. Só por você".

Obrigado, Marie Claire.

sábado, 11 de agosto de 2007

O galinha da Internet


Texto de um passado não muito distante.
Para ler ouvindo "Você não soube me amar", da Blitz, no talo.

***

Todo homem, em seu íntimo, só se completa quando é tapeado. Nelson Rodrigues sabia disso e se tornou um ícone cult nacional. Na música, Reginaldo Rossi faz questão de botar as cartas na mesa em seus shows. Em dado momento, ele interrompe o repertório e convoca a participação dos machos:

- Quem é corno que levante a o braço.

Muita gente levanta o braço e bate no peito com orgulho. Ninguém é vaiado ou ridicularizado. O fato de serem cornos os torna irmãos e o fato de serem iludidos os torna cúmplices.

Nesse aspecto, não adianta especular, supor ou inventar. Quando a questão envolve de alguma forma o universo feminino, somente elas têm a autoridade de revelar a verdade - ou nos enganar, afinal, como já disse, somos fáceis de ser ludibriados. Na arte de ser superior aos homens e ainda conquistar um fã-clube, Rafa e Marisa são duas amigas que admiro. Elas são lindas, inteligentes, gostosas, sofisticadas, engraçadas e simpáticas. Não entendem patavina de futebol, mas aí também seria querer demais. Claro que se qualquer uma delas der uma vacilada eu chego junto. Na verdade, eu rezo toda noite para que um dia as duas vacilem ao mesmo tempo, em uma noite de inverno, com um bom vinho e o Wando na vitrola.

Num desses jantares triviais onde nos reunimos para tricotar, eu fui surpreendido por uma revelação de Rafa.

- Estou gostando de um cara, mas o miserável não me liga. Saímos ontem e ele ainda não deu sinal de vida - revelou.

- E desde quando você se importa? - perguntei.

- Desde de ontem, Dô.

- Dô é o cacete - detesto essa maneira carinhosa que elas arrumaram de me chamar. Eu gosto de Domênico. É fofo, charmoso e todo mundo gosta de pronunciar. "Dô" eu não aturo.

- Você deu pra ele? - Marisa perguntou sem tirar os olhos do cardápio.

- Não, não dei. Jantamos, fomos ao apartamento dele ouvir John Coltrane e conversamos até as quatro da manhã.

- Só conversaram? - especulei já sabendo a resposta.

- Você acha que eu sou mulher de ficar apenas conversando? Eu o deixei louco, subindo pelas paredes, mas eu não dei. Gostei dele e fiquei com pena de descartá-lo hoje. Se tiver que dar, que seja em outra ocasião - Rafa bebericou sua coca light.

- Sacanagem - eu tomei as dores do cara. Homens em desvantagem às vezes se unem.

- Ele deveria ligar hoje - Rafa coçou o queixo.

- Quem é o cara? O Fê? - Marisa perguntou ainda sem tirar os olhos do cardápio.

- Não.

- Jô?

- Não.

- Lê?

- Não.

- Chris?

- Não.

- Gil?

- Não.

Cansei!

- Vocês não conhecem ninguém com mais de uma sílaba no nome?

As duas me olharam com desprezo. Falando em gelo...

- Garçom, água tônica com gelo e limão, por favor - mudei o foco.

- O nome dele é Dé - putz, outro sujeito com nome monossilábico.

- André? - perguntei.

- Deolindo.

Ai.

- Chama de Dé. É mais bonitinho.

- Rafa, onde você conheceu esse Dé? - Marisa abaixou o cardápio e decidiu participar da conversa mais efetivamente.

- Orkut.

- É mesmo? E isso rende assim? - fiquei novamente surpreso. Decidi ouvir melhor essa história.

- Rende. Nós trocamos scraps em uma comunidade de solteiros, então conversamos um tempão pelo Messenger, depois usamos a webcam, aí dei meu telefone celular e acabamos por marcar de sair.

Ah, a tecnologia a serviço dos casais.

- O cara tem bom papo?

- Marisa, se não tivesse, eu não sairia com ele.

- Mentira.

- Tá bom, ele também é gato. Mas o papo ajudou.

- Mandou foto?

- Mandou umas engraçadinhas, de perfil, olhando para o chão etc.

- Então devia ser mais feio ao vivo, certo? Homem quando se garante e não tem nada para esconder olha para a câmera de frente e ainda sorri para mostrar que tem todos os dentes.

- Pô, Marisa, ele tem todos os dentes. Mas concordo que ele é mais fotogênico do que bonito

- Eu sabia. Como ele te chamou pra sair?

- Fez um convite para uma festa de amigos dele. Coisa de noivado de um primo, sei lá. Recusei. Depois combinamos um jantar.

- Hmmmm. - quando Marisa faz "hmmmm" eu tremo.

- Que foi? - Rafa idem.

- Ele é um galinha de Internet. Não come ninguém e deve ter se assustado contigo.

- Como assim, Marisa? Ele é até bonito, inteligente, tem bom papo, é publicitário...

- Tá explicado?

- Opa! Qual o problema do Deolindo ser publicitário? - entrei no papo. Que história é essa de ficar menosprezando a classe?

- Nada pessoal, Dô. O cara tem o macete, mas fica muito na Internet. Deve gastar mais tempo de conversa mole do que agindo. Não come ninguém. Se quisesse te comer, o último lugar para o qual ele poderia te levar no primeiro encontro seria uma festa dos amigos. Sabe por quê? Muita gente para dispersar a atenção. Se ele fosse bom, chamaria você de cara para um programa a dois para deixar bem claro que ele tem a manha - Marisa explicou com o mesmo tom de voz sereno de sempre. Mesmo que ela estivesse falando um absurdo sem tamanho (o que achei não ser o caso), qualquer um acreditaria.

- Dô é o cacete - para não perder o costume.

- Você acha? - Rafa apoiou a cabeça na palma da mão direita e ficou com olhos pensativos..

- Tentou te comer no primeiro encontro? - Marisa continuou com sua teoria.

- Claro. Eu estava no apartamento dele, toda fogosa. Estranho seria se ele não tentasse. Mas eu cortei e ele gentilmente atendeu. Ficamos no amasso.

- E não te ligou?

- Nada.

- Está acostumado a ficar na seca. Vai ser difícil dele correr atrás. Esse sujeito está condicionado a dar de cara na porta. Perdeu o feeling do caçador, do batalhador.

Hmmm, instrutivo.

- Será? Vou ligar pra ele. O que você acham?

- Ele que corra atrás. Você é areia demais para o fusquinha dele - bati o martelo.

- Liga - Marisa estava de sacanagem comigo. Só podia.

- Como assim? - perguntei.

- Vai dar um susto no galinha. Será surpreendente para ele, que se encontrará do outro lado da moeda. De condutor ele passará a conduzido.

- Isso não existe. Se ela ligar, vai estar dando uma bandeira grande demais. O Deolindo vai ficar por cima da carne seca - argumentei.

- Isso é o que você pensa. Rafa vai ligar avisando que está de passagem comprada para Tóquio e só quer dar tchau. Vai contar que embarca na semana que vem. Eu prevejo duas alternativas: o cara ficará indócil e correrá atrás como nunca na vida dele ou desejará uma boa viagem e boa estadia em Tóquio.

- Aí ele assina um atestado de otário ou de boiola - só pude pensar nessa conclusão.

- Exato. A terceira possibilidade é do cara estar saindo com outra mulher e a Rafa ter sido uma aventura casual que não deu no primeiro encontro e foi descartada.

- Essa é bem possível - Rafa prefere ser "corna" do que admitir que saiu com um otário.

- Aí o Deolindo sai por cima - defendi o companheiro de calças.

- É a única chance dele. Vou pedir uma massa. Você recomenda alguma daqui, Dô?

- Dô é o cacete. O ravióli é ótimo.

Mulher quando se organiza se torna um ser muito cruel. Deolindo está numa enrascada sem tamanho.
.
***
.
"Rafa", "Marisa", obrigado por essa história. Espero ouvir outras aventuras.

sexta-feira, 10 de agosto de 2007

No limite da razão


Para ler ouvindo "Mulheres", do Martinho da Vila.

***

Era para ser mais uma tarde de trabalho pouco emocionante, mas, para mudar o rumo das coisas, tocou o meu celular. No outro lado da linha estava a lendária Janaína. Ela conseguiu esse título ao "amarrar" o sujeito mais mulherengo que conheci. Ao ver um rabo de saia, Rodolfo parecia um alcoólatra diante de uma dose de J&B.

- Doug, terminei com o Rodolfo. A gente pode conversar hoje?

Janaína perdeu o título de "lendária", mas topei ajudar.

- Claro. A gente se vê hoje à noite.

Sou defensor do pensamento que "amigo de mulher é cabeleireiro (raio de palavra difícil de escrever), decorador e maquiador", mas jamais me negarei a estar presente para ajudar no que for necessário. É só não encostar muito.

Bom, chegamos a um bar da moda lá pelos lados da Barra da Tijuca e fui todo ouvidos ao drama da Janaína. Ela estava sofrendo e poucas coisas me comovem mais que uma mulher penando. Se for bonita, então eu sofro até mais que ela.

- O que houve? Qual a razão do fim, afinal?

- Você sabe que ele tinha um diário, né? E que nesse diário ele anotava todas as mulheres que já rodaram, né?

Claro que eu sabia.

- Não, de jeito nenhum – homem é cúmplice.

- Pois é, tinha. Eu descobri e – pausa para ela mexer na bolsa – olha só.

Janaína jogou algumas fotocópias ao lado da minha tulipa de chopp escuro. Eu li. Abre aspas:

(...)
Marcela: nota 6,5
Cassandra: nota 4,75
Paulinha Furacão: nota 8,5
Carolzinha Veneno: nota 8,0
Lúcia: nota 7,0
Professora Cândida: nota 6,75
Camila da Loja Gang: nota 9,0
Janaína Amorzinho: Nota 8,0
Betina da Padaria: nota 5,5
Andréa Bodyboarder: nota 7,75
Cinthia Malhação: nota 4,75
Fernandinha Night: nota 9,0

Fecha aspas.

Fiquei sem saber o que dizer.

- Reparou que não está na ordem alfabética?

Silêncio. Bebi quase que toda a tulipa de uma golada só e pedi outra.

- Amigo, você viu que está em ordem cronológica? Que filho da mãe! Traidor safado!– ela trovejou quase em lágrimas.

- Complicado – o que eu poderia argumentar diante da prova do crime?

- Sabe, mulher é um bicho trouxa. Quando ama, perdoa. Dá um jeito.

Linda frase. Anotei mentalmente.

- Por que você não o perdoou?

- Por causa dessa maldita nota 8,0. Eu sou lá mulher de levar nota 8,0?
***
Cabeleireiro, cabeleireiro, cabeleireiro. Só pra fixar como se escreve essa joça.

quinta-feira, 9 de agosto de 2007

Queimei a língua...

Lembro como se fosse há dez minutos: "odeio blogs", disse eu sem qualquer medo do futuro. Pois não é que acabei bebendo dessa fonte? A vontade de escrever era tanta que estava quase me afogando em idéias. Tanta coisa ao meu redor e nem um espacinho sem-vergonha para expressar o que vejo. Pois enfiei o rabo entre as pernas e fui procurar saber como é que se brinca com esse tal de blog.

Ah, sobre o título: Surfista, nunca fui de verdade verdadeira. Só encarei umas marolas ao longo da vida. O único orgulho foi ter aprendido sozinho. O Platinado é uma referência à peça de metal que tenho no braço esquerdo. A junção veio que por uma sacada minha e a sintonia de uma mulher muito sagaz. Nasceu assim o Surfista Platinado.

PS. De vez em quando, eu faço os detetores de metais dos bancos apitarem, mas entrei nos jogos do Pan-Americano sem problemas. Vai entender.