Aos 15 anos, eu tinha porte magro, o jeitão de CDF e usava óculos, o que me condenava a tomar uns petelecos dos meninos maiores a cada recreio. A diferença dos outros nerds é que eu cismava em revidar. Claro que eu apanhava na maioria das vezes, mas evitava levar desaforo na mochila.
Um belo dia, decidi seguir o exemplo de Daniel LaRusso (o magricelo do "Karatê Kid", lembra?) e fazer algum esporte de luta. Karatê não me apeteceu. Eu queria algo polêmico, controverso. Alguma luta que gerasse burburinhos. Não deu outra. Dias depois, eu raspei a cabeça e comecei a fazer jiu-jitsu. Minha mãe quase teve um troço.
- Meu filho virou um marginal.
Maneiro!
Curiosamente, nunca mais arrumei confusão na escola. Nem na faculdade ou pelos anos e anos que se seguiram.
DIA D: MANHÃ DE SÁBADO, 26 DE JULHO DE 2008
O garoto CDF cresceu, mas continuou usando óculos e com ar de nerd, mas já não estava tão magro. O moleque virou homenzinho e, finalmente, estava realizando um sonho: competir em um torneio internacional.
Quando pisei naquele ginásio cheio, com família na arquibancada e amigos no canto, senti uma alegria inexplicável. Como se eu estivesse dizendo para um monte de gente que ninguém deveria me dizer o que eu sou ou não capaz de fazer.
SETE DIAS ANTES DO DIA D
Maldita balança! Faltando uma semana para o campeonato, eu estava acima do peso e seria desclassificado antes de lutar. Ou eu perderia o excedente ou meu sonho iria para as cucuias. Optei pelo primeiro. Minhas refeições passaram a ser mato e carne branca. Isso significou muita fome em meu ser.
- Liga não. Mais de um terço da população passa fome. Você é só mais um - esse era o naipe de conselho que eu ouvi durante esses dias inglórios.
Fora as saladinhas, eu corria, pedalava e treinava.
Sai peso extra! Sai desse corpo atlético que não te pertence. Some!
VÉSPERA DO DIA D
Pisei na balança com um olho aberto e outro fechado.
83,1...
Para competir, eu precisaria estar com 82,6 kg.
Danou-se tudo!
Assim que cheguei (faminto) do trabalho, fui pedalar uma volta e meia no globo terrestre e esturricar mais uma noite na sauna.
Deus, me deixa competir amanhã.
Fui dormir uma das noites mais preocupadas e famintas dos meus trinta anos de vida.
QUINZE DIAS ANTES DO DIA D
- Você ficou maluco? Você perdeu o juízo? Isso é coisa de desocupado. Você vai se machucar feio. Você não é bom o suficiente.
Esses foram as frases mais animadoras que eu ouvi da minha família assim que anunciei que iria competir. As frases pessimistas eu preferi esquecer.
VÉSPERA DO DIA D (DE NOVO)
Saí para almoçar mais uma saladinha cretina. O garçom me trouxe um prato entulhado de cebola. Comi cheio de raiva, mas com foco no peso a menos.
Voltei para o escritório odiando ainda mais as saladas. Fiquei só com os meus pensamentos, até que...
- Hmmm, que cheiro de cebola aqui dentro? Alguém foi à feira?
Estou podre a cebola. Vergonha, vergonha, vergonha...
DIA D: DEZ MINUTOS ANTES DA LUTA
Eu estava com o coração apertado. Se eu não estivesse dentro do peso, todo o sacrifício teria sido em vão. O ginásio estava cheio e o clima parecia de uma Olimpíada. Eu queria muito participar daquilo tudo. Vesti o kimono e fui para a pesagem com a lembrança da noite anterior... 83,1.
Pisei na balança e...
79,4
Ueeeeeeeeeeeeeba!!!!
Entrei no espaço antes do ringue e o juiz me deu uma dura.
- Com essa faixa você não pode competir. Arranja uma decente,
Pó, minha faixa estava comigo há anos. Claro que estava meio desfiada e tal...
Desesperado, fui pedir uma faixa emprestada a outro atleta. Um francês foi gente fina e me emprestou.
Acabou? É ruim, hein?
- Seu kimono não está nas medidas. Troca ou você será desclassificado.
Taquelpariu! Taquelpariu! Taquelpariu!
Saí do tatame já tirando a roupa. Um amigo estava por perto e também iria competir. Trocamos de roupa ali mesmo. Dois marmanjos de cueca em pleno ginásio lotado.
Bom, se eu não for desclassificado por atentado ao pudor, tudo bem!
Enfim, o juiz permitiu que eu lutasse.
- Combate!
Era para valer! Eu estava competindo!
Iupiii!
Caí por cima e com domínio da luta.
Estou em vantagem! Estou em vantagem! Estou por baixo! Estou ferrado! Perdi!
Minha aventura durou três minutos e quinze segundos antes do nocaute. Olhei para minha família na arquibancada, para os amigos no canto. Senti que desapontei muita gente.
- Doug, levanta a cabeça - meu professor gritou. Eu obedeci É por isso que o jiu-jitsu é tão importante na minha vida: para me ensinar a levantar a cabeça e virar o jogo.
DIA D: CINCO HORAS DEPOIS DA LUTA
Acabou? Não. Eu fui inscrito para outra categoria e teria mais uma chave no mesmo dia. Dessa vez, não haveria restrições de peso, então eu poderia comer à vontade antes. Seria mais ou menos como uma roleta russa: eu poderia enfrentar um cara de 180kg ou um de 50kg. Tudo nas mãos do acaso.
Já com um outro kimono e uma faixa emprestada, fui ver qual seria a minha surpresa. Entre muitos gigantes gringos, meu oponente foi um brasileiro do meu tamanho. Menos mal...
O ginásio já não estava lotado. Minha família havia ido embora. Da minha equipe, só ficaram dois. Seja lá como fosse, eu teria poucas testemunhas.
Seis minutos depois, o combate acabou e havia um empate. A decisão seria pela interpretação dos juízes.
Comigo nada é fácil. Caramba!
Eis que o juiz levantou o meu braço. Eu ganhei!
Ganhei! Ganhei! Ganhei! Ganhei!
Como sempre, pouca gente estava lá para me ver. Não tinha família, musas ou amigos. Só eu.
Ganhei! Ganhei! Ganhei! Ganhei!
Logo depois, eu perdi a próxima luta. Estava exausto pelo dia e não fiquei chateado. Eu já havia conseguido o que queria.
Um belo dia, decidi seguir o exemplo de Daniel LaRusso (o magricelo do "Karatê Kid", lembra?) e fazer algum esporte de luta. Karatê não me apeteceu. Eu queria algo polêmico, controverso. Alguma luta que gerasse burburinhos. Não deu outra. Dias depois, eu raspei a cabeça e comecei a fazer jiu-jitsu. Minha mãe quase teve um troço.
- Meu filho virou um marginal.
Maneiro!
Curiosamente, nunca mais arrumei confusão na escola. Nem na faculdade ou pelos anos e anos que se seguiram.
DIA D: MANHÃ DE SÁBADO, 26 DE JULHO DE 2008
O garoto CDF cresceu, mas continuou usando óculos e com ar de nerd, mas já não estava tão magro. O moleque virou homenzinho e, finalmente, estava realizando um sonho: competir em um torneio internacional.
Quando pisei naquele ginásio cheio, com família na arquibancada e amigos no canto, senti uma alegria inexplicável. Como se eu estivesse dizendo para um monte de gente que ninguém deveria me dizer o que eu sou ou não capaz de fazer.
SETE DIAS ANTES DO DIA D
Maldita balança! Faltando uma semana para o campeonato, eu estava acima do peso e seria desclassificado antes de lutar. Ou eu perderia o excedente ou meu sonho iria para as cucuias. Optei pelo primeiro. Minhas refeições passaram a ser mato e carne branca. Isso significou muita fome em meu ser.
- Liga não. Mais de um terço da população passa fome. Você é só mais um - esse era o naipe de conselho que eu ouvi durante esses dias inglórios.
Fora as saladinhas, eu corria, pedalava e treinava.
Sai peso extra! Sai desse corpo atlético que não te pertence. Some!
VÉSPERA DO DIA D
Pisei na balança com um olho aberto e outro fechado.
83,1...
Para competir, eu precisaria estar com 82,6 kg.
Danou-se tudo!
Assim que cheguei (faminto) do trabalho, fui pedalar uma volta e meia no globo terrestre e esturricar mais uma noite na sauna.
Deus, me deixa competir amanhã.
Fui dormir uma das noites mais preocupadas e famintas dos meus trinta anos de vida.
QUINZE DIAS ANTES DO DIA D
- Você ficou maluco? Você perdeu o juízo? Isso é coisa de desocupado. Você vai se machucar feio. Você não é bom o suficiente.
Esses foram as frases mais animadoras que eu ouvi da minha família assim que anunciei que iria competir. As frases pessimistas eu preferi esquecer.
VÉSPERA DO DIA D (DE NOVO)
Saí para almoçar mais uma saladinha cretina. O garçom me trouxe um prato entulhado de cebola. Comi cheio de raiva, mas com foco no peso a menos.
Voltei para o escritório odiando ainda mais as saladas. Fiquei só com os meus pensamentos, até que...
- Hmmm, que cheiro de cebola aqui dentro? Alguém foi à feira?
Estou podre a cebola. Vergonha, vergonha, vergonha...
DIA D: DEZ MINUTOS ANTES DA LUTA
Eu estava com o coração apertado. Se eu não estivesse dentro do peso, todo o sacrifício teria sido em vão. O ginásio estava cheio e o clima parecia de uma Olimpíada. Eu queria muito participar daquilo tudo. Vesti o kimono e fui para a pesagem com a lembrança da noite anterior... 83,1.
Pisei na balança e...
79,4
Ueeeeeeeeeeeeeba!!!!
Entrei no espaço antes do ringue e o juiz me deu uma dura.
- Com essa faixa você não pode competir. Arranja uma decente,
Pó, minha faixa estava comigo há anos. Claro que estava meio desfiada e tal...
Desesperado, fui pedir uma faixa emprestada a outro atleta. Um francês foi gente fina e me emprestou.
Acabou? É ruim, hein?
- Seu kimono não está nas medidas. Troca ou você será desclassificado.
Taquelpariu! Taquelpariu! Taquelpariu!
Saí do tatame já tirando a roupa. Um amigo estava por perto e também iria competir. Trocamos de roupa ali mesmo. Dois marmanjos de cueca em pleno ginásio lotado.
Bom, se eu não for desclassificado por atentado ao pudor, tudo bem!
Enfim, o juiz permitiu que eu lutasse.
- Combate!
Era para valer! Eu estava competindo!
Iupiii!
Caí por cima e com domínio da luta.
Estou em vantagem! Estou em vantagem! Estou por baixo! Estou ferrado! Perdi!
Minha aventura durou três minutos e quinze segundos antes do nocaute. Olhei para minha família na arquibancada, para os amigos no canto. Senti que desapontei muita gente.
- Doug, levanta a cabeça - meu professor gritou. Eu obedeci É por isso que o jiu-jitsu é tão importante na minha vida: para me ensinar a levantar a cabeça e virar o jogo.
DIA D: CINCO HORAS DEPOIS DA LUTA
Acabou? Não. Eu fui inscrito para outra categoria e teria mais uma chave no mesmo dia. Dessa vez, não haveria restrições de peso, então eu poderia comer à vontade antes. Seria mais ou menos como uma roleta russa: eu poderia enfrentar um cara de 180kg ou um de 50kg. Tudo nas mãos do acaso.
Já com um outro kimono e uma faixa emprestada, fui ver qual seria a minha surpresa. Entre muitos gigantes gringos, meu oponente foi um brasileiro do meu tamanho. Menos mal...
O ginásio já não estava lotado. Minha família havia ido embora. Da minha equipe, só ficaram dois. Seja lá como fosse, eu teria poucas testemunhas.
Seis minutos depois, o combate acabou e havia um empate. A decisão seria pela interpretação dos juízes.
Comigo nada é fácil. Caramba!
Eis que o juiz levantou o meu braço. Eu ganhei!
Ganhei! Ganhei! Ganhei! Ganhei!
Como sempre, pouca gente estava lá para me ver. Não tinha família, musas ou amigos. Só eu.
Ganhei! Ganhei! Ganhei! Ganhei!
Logo depois, eu perdi a próxima luta. Estava exausto pelo dia e não fiquei chateado. Eu já havia conseguido o que queria.
QUAL A MORAL DA HISTÓRIA,
HE-MAN?
Amiguinho, você passou esse tempo sem escrever e já voltou com a corda toda. Achei que essa sua epopéia não teria mais fim. Ufa! Bom, você continua com essa estranha síndrome de Charlie Brown. Não se lamente por vitórias sem testemunhas. Fique triste por não ter vitórias para contar. Acho que essa sua história reflete mais o "conseguir" do que o "vencer". Isso é o principal combustível de cada dia, garoto: superação e perseverança. Que nem já dizia o titio Rocky Balboa. No mais, fico feliz por você ter se divertido e ter voltado a comer normalmente. Acompanhei de perto o seu drama e acho que você não merece que eu te sacaneie dessa vez. Bom, merece sim. Da próxima vez, verifique se há pilhas na sua câmera antes de um momento único na sua vida. Amiguinhos, se dispor a ajudar demonstra que você se importa. Tente sempre ajudar as pessoas. Até a próxima!
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