terça-feira, 13 de março de 2012

Do outro lado do oceano

Há poucas noites, eu sonhei com Dublin. As lembranças são curtas e fragmentadas como qualquer outro sonho, mas não me restaram quaisquer dúvidas. Era a minha querida capital da Irlanda.


No sonho, eu estava na calçada do parque St. Stephen's Green, região central, onde eu caminhava praticamente todo santo dia. Estava nevando, mas não senti o frio calhorda do inverno europeu. Também não reconheci pessoas. Era apenas Dublin e seu cheiro familiar.

Cidades têm cheiro sim, senhor. O Rio de Janeiro tem um cheiro bem característico de cimento quente com nuances de sal. Quando voltei para casa, eu sabia que tinha chegado quando pisei fora do aeroporto e aquele mormaço de verão invadiu o meu nariz com suas boas-vindas.


No meu sonho, eu estava mais uma vez cercado pelo um cheiro irlandês de vegetação, chuva e tecidos. O frio faz as pessoas usarem muitas peças de roupa, cujos odores variados se misturam às árvores sem folhas e à água da chuva ou dos canais. Dublin também tem sons. Quando você fecha os olhos, a cidade fala através do vento uivando nos seus ouvidos cobertos por gorros.


Eu não lembro de muitos detalhes no sonho. Pelo que me recordo, logo depois eu estava na Grafton St, pertinho do St. Stephen's Green. Como eu adoro a Grafton St. e seus artistas de rua, floristas, vitrines iluminadas e pequenas surpresas. Em um dia, eu podia encontrar uma banda completa tocando rock'n'roll e no outro, uma família local dançando danças típicas irlandesas em troca de alguns euros. A Grafton tinha desses encontros entre a tradição e a globalização.


Na manhã seguinte, acordei triste. Saudoso. Nostálgico. Tudo ao mesmo tempo. Estava sentindo a falta de uma ilhazinha distante como quem sente saudade de uma amiga que se mudou. Queria voltar lá para tomar chá com poucas gotas de leite em um Starbuck's com cheiro de madeira envernizada. Queria estar lá para ver a primavera deixar a cidade ainda mais verde e colorida. Queria beber mais uma pint de Guinness em algum pub com música irlandesa e gente dançando e batendo os calcanhares no chão. Queria que meu joelho tivesse aguentado só mais um pouquinho. Queria que a crise e o corrupto taoiseach (em gaélico, significa "primeiro ministro" e a pronúncia é "ti-shock") não tivessem maltratado a economia do país. Queria que meus cinco meses de Dublin tivessem mais dias.


Faz mais de um ano que voltei para casa. Desde então, meus conceitos de "casa" se ampliaram. Dublin fez isso.



QUAL A MORAL DA HISTÓRIA,
HE-MAN?
Amiguinho, enquanto você curte o seu "banzo" ao contrário, lembre da poesia do Lynyrd Skynyrd: "home is where the heart is", traduzindo para o leitor que não passou do Livro 1 do Fisk, "lar é onde o coração está". Simples assim. Amiguinho, antes de sair de casa, verifique se todos os aparelhos elétricos estão desligados. Até a próxima!!!

segunda-feira, 5 de março de 2012

Diabo Verde em apuros - Parte II

- 1, 2, 3... 1, 2, 3, vai!

Com a marcação das baquetas, Marmota iniciou a apresentação do Diabo Verde, uma simpática banda da Barra da Tijuca diante dos homens de preto, por sua vez, simpáticos ao capeta. Depois dos urros iniciais, a plateia ficou em incômodo silêncio. O som não era pesado e as letras não falavam de desgraça, inferno, anjos caídos e outros temas cavernosos. A levada também não era feroz, com guitarras frenéticas e vocal da escola de canto Max Cavalera. Era rock e nada mais.

- Toca Sandy e Júnior! – gritou o primeiro homem de preto da fila do gargarejo.

- Toca Xuxa! – gritou outro. O Diabo Verde continuou tenso, à espera de um copo voador ou uma garrafa de cerveja. Era um olho na dália com as músicas e outro na muvuca e um nada improvável ataque à la Carlinhos Brown no Rock in Rio 3.

Ao lado do palco, a próxima banda simulava um passinho do tipo can-can. Duílio, meu amigo vocalista, percebeu e encarou um dos integrantes mais animadinhos. O cara percebeu e, sem qualquer esforço, fez cara de mau.

Tive uma adolescência bem nerd. Quando eu era moleque e jogava o RPG Vampiro – A Máscara, havia um poder chamado Olhar Aterrorizante. O personagem podia gelar o sangue da vítima com apenas uma encarada. Nesse momento, o cara de preto na coxia pareceu ter esse poder e Duílio sentiu que engrossar com aquele sujeito era uma péssima ideia.

O show acabou e inexplicavelmente, nenhum objeto foi atirado no Diabo Verde. Na verdade, rolaram até alguns aplausos tímidos. Enquanto alguns roadies preparavam o palco para o próximo show, Duílio percebeu que o outro maluco queria tirar satisfação sobre a encarada inoportuna.

- Aí, quero falar contigo. Tu achou ruim a nossa dança? – o cara disparou sem rodeios. De perto, parecia ser realmente intimidador. Duílio previu uma morte anônima com o corpo sendo enviado para o hospital de Duque de Caxias e depois para as aulas de medicina da UFRJ. No dedão do pé, uma etiqueta "roqueiro, anônimo e burro".

- Bom, não é bem assim.

- Achou ou não achou, porra?

- Na boa, não precisava. Achei indelicado.

- Achou indelicado?

Será que o cara sabia o que significa "indelicado"?

- Achei.

- Desculpa então.

Peraí. Para tudo! "Desculpa" não estava previsto. Cadê o soco no nariz e a pancadaria generalizada.

- Sem problemas, cara.

- A gente curtiu o show. De verdade, porra! A gente até dançou um pouquinho, mas a gente não sabe dançar, morou? Vocês são bons. A música é maneira e pode tocar no rádio.

- Pô, obrigado.

- De verdade. Som maneiro mesmo. A gente é que é um bando de desgraçado. Só cantamos miséria. Só lixo.

- Não devem ser lixo.

- Somo sim, e nos orgulhamos disso, porra!

- Então, tá. Até a próxima.

Duílio e os outros membros da banda receberam a merreca do cachê e se mandaram. Nunca mais tocaram em festivais desconhecidos. Na verdade, tocaram poucas vezes depois. A banda se dissolveu sem crises de ego, overdoses, bebidas ou a Yoko Ono. Simplesmente, resolveram concluir os estudos. Vida de rockstar é muito arriscada.

QUAL A MORAL DA HISTÓRIA,
HE-MAN?
Amiguinho, hoje aprendemos uma importante lição. Na verdade, duas. A primeira é que nunca devemos encarar sujeitos mal-encarados em um ambiente desconhecido e hostil. O segundo é que nem sempre, as pessoas desprezivelmente mal-encaradas são ruins de espírito. Pode até ser que elas não tenham tanto amor no coração, mas podem ter uma centelha de compaixão. Não julgue os coleguinhas feios e brucutus. Amiguinho, se ela não atende os seus telefonemas e seus torpedos, é porque ela não está afim de você. Até próxima!!!