Para a compreensão total deste
drama (verídico, é claro), é essencial mergulhar nas percepções da
protagonista. Sendo assim, escrevo em primeira pessoa. Senhoras e senhores,
segue o relato de Clotilde, a advogada.
Era uma vez...
Acordei com a cabeça vibrando no
nível 6 da escala Richter. É aquele terremoto que derruba prédios, sacou? Levantei
assim mesmo e fui à luta.
Cheguei ao trabalho escondida atrás de óculos escuros de lentes imensas.
Como se as lentes escondessem a minha cara de derrotada. Ao longo da manhã, tramei assassinatos passionais a todos que me perguntavam se a noite tinha sido
boa. Se tivesse sido boa, eu não estaria com a cara de colombina em
quarta-feira de cinzas.
Lá pelas 11 da manhã, meu
telefone tocou. Era o maridão.
- Clotilde.
Era meu nome. Quando o maridão
liga e me chama pelo nome direto, sei que alguma coisa está errada. Será que
vomitei na cama e deixei azedando ao sol?
- Amooooooor.
Tentei prolongar a palavra “amor”
da forma mais fofa do mundo. Tática de amansar a fera pela doçura, entende? Às
vezes, funciona.
- Clotilde, você fez alguma
compra ontem à noite?
Compra? Euzinha? Calma.
Concentra. Que compra? Como assim? No meio da noite? E a festa de ontem?
Comprei alguma rifa na festa? Concentra mais. Peraí... aimeudeusdocéu!
- Amor, é possível que sim.
Sabe quando o passado volta à sua
mente que nem flashbacks de “Além da Imaginação”. As lembranças vêm em
fragmentos desconexos e você vai juntando as peças até a vergonha total estar
montada diante de você.
Corta para a noite anterior.
Chegamos da tal festa e o maridão
foi direto para a cama. Eu fiquei na sala meditando sobre os efeitos dos
espumantes na coordenação motora das pessoas. Liguei a TV. Esse foi o meu erro.
Zapeei pelos canais e só
encontrei reprises, filmes, programas eróticos com loiras americanas peitudas,
seriados, desenhos animados e outras tralhas. Não sei porque cargas d’água,
parei em um canal de compras. Aliás, sei sim. Fui hipnotizada por um par de
brincos lindos de morrer. Não consegui tirar os olhos daquelas peças brilhantes.
Vislumbrei amigas invejosas cobiçando aqueles brincos em minhas orelhas. Peguei
o telefone e liguei para o número que estava na tela.
- O que você comprou, Clotilde?
- Talvez um brinquinho. Coisa
pequena.
- Coisa pequena?
- Sim, mínima.
- Custou R$ 8 mil.
Aimeudeus!!!
- Repete.
- R$ 8 mil.
Fiquei sóbria. A ressaca sumiu
milagrosamente. Adrenalina pura, querida. Pior que a imagem do brinco voltou nítida
à minha mente. Era uma coisa breguíssima, imensa, cafona. Todo errado. Bêbada acha cada coisa
bonita.
- Aconteceu algum engano, amor.
- Clotilde, você usou o meu cartão de crédito e eles entraram em contato
comigo. Avisaram que já estão despachando o seu pedido. Não são burros. Liga e
cancela a compra agora.
- Tenho vergonha. Vou dizer o
quê?
- Diga que estava bêbada. Use o direito
de desistência do código de defesa do consumidor. Você é advogada. Dá o seu
jeito.
- De jeito nenhum. Liga você e
cancela.
- Tá bom.
Desligou. Fiquei me contorcendo
de constrangimento. O raio do brinco era realmente medonho e custou R$ 8 mil. Será
que paguei à vista?
Quinze minutos depois, o maridão
me ligou de volta.
- Cancelei a compra.
- Você é o máximo. O que eles
disseram?
- Disseram que você sofreria a
penalidade de ser eliminada do sistema deles e jamais poderia fazer outra
compra naquela loja. Aproveitei e pedi para que eles fichassem o seu nome em todos
os concorrentes.
- Amooor, poxa.
HE-MAN?
Amiguinho, a coleguinha Clotilde
nos ensina uma valiosa lição sobre os efeitos da cachaça no senso crítico do
ser humano enquanto gente. Nossa heroína foi acometida por uma vertente muito
comum da bebedeira: a riqueza etílica. Sim, certas pessoas ficam riquíssimas
quando bebem. Nesse caso, a melhor forma de prevenção é afastar bolsas e
carteiras da pessoa de porre. Amiguinho, chá de cidreira ou camomila ajuda a
relaxar durante a noite. Até a próxima!!!