terça-feira, 24 de novembro de 2009

O que fazer quando se sofre por amor?

Alguns leitores passam por aqui e deixam uma sementinha em forma de recado. Muitas vezes, o indivíduo nem sabe que o fez. Manel Cruz apareceu aqui sabe-se lá como e largou uma poesia e um questionamento. Pulemos os versinhos e vamos ao seu dilema:

Caro blogueiro, cai aqui por acaso. O que fazer quando se sofre por amor?

Caiu de pára-quedas como tantos outros. Se voltou, não sei. Mas a pergunta ficou me martelando. Lembrei de Doralice, mulher que raptou o meu coração por alguns meses.

Você sabe a diferença entre sequestro e rapto?

Eu estava caidinho pela Doralice. Para descrevê-la, peço licença aos versos do Seu Jorge: seu cabelo me alucinava. sua boca me devorava, sua voz me iluminava e seu olhar me apavorava. Mas o carinho seguia uma via de mão única. Eu a adorava sem qualquer retorno.

Eu me acostumei a amar sem qualquer retorno. E sempre que saíamos, a hora mais triste era a que eu parava em frente à sua casa, no Recreio dos Bandeirantes. Ela saia do carro e deixava um vazio tremendo. No dia seguinte, o ciclo se repetia e a mesma sensação de tristeza me invadia. Sempre no momento dos dois beijinhos e do tchau.

Doralice, que não era besta, percebeu que algo mudava nos segundos antes de fechar a porta e sair.

- O que você tem?

- Nada. Bobagem.

- Conta.

Não cou contar. Não vou contar. Não vou contar.

- É que... eu... é que...

Raios! Por que eu não me seguro???


- Doralice, eu sou alucinado por você, mas sei que o sentimento não é recíproco. Não tenho esperanças. Esperanças se foram faz tempo. Não tenho fé. A fé se foi também. Eu só tenho o presente, que são esses momentos em que estamos juntos. E toda vez que você sai do carro, eu acho que pode ser a última.

Carajo! Essa veio lá das entranhas. Lá do pré-sal da alma.

Doralice esboçou um sorriso, mas desistiu. Ficou séria. Ela fez um leve carinho no meu rosto e saiu sem dizer uma palavra. De fato, eu não a vi muitas vezes depois. O presente se juntou à esperança e à fé e sumiu. Restou apenas a lembrança.

Então, meu caro Manel, eu não sei o que se faz quando o sofrimento vem do amor. Poucos sabem. Apenas sei que valorizar cada momento é um santo remédio contra um mal muito pior: o remorso.

QUAL A MORAL DA HISTÓRIA,
HE-MAN?

Amiguinho, estava demorando para você resgatar essas histórias do limbo. Mas fico feliz que você não tenha uma memória do tamanho da saia da mocinha da Uniban. Sobre a pergunta do nosso caro Manel, atente à soberana letra do He-Man, aquele que só conhece os males da rejeição através das músicas do Wando e das novelas da Maria do Bairro: não há razão melhor para sofrer que por amor. Na verdade, é a única razão que vale a pena. Depois dessa, vou depenar a Feiticeira de Greyskull e já volto. Amiguinho, não aponte os defeitos das outras pessoas! Até a próxima!!!

quarta-feira, 18 de novembro de 2009

O calcanhar de Aquiles

Ainda tem quem diga que homem não tem medo. Pois tem medo, sim. O lance é que os marmanjos temem certas coisas que pouco afetam as mulheres. Vou dar um exemplo prático.

Tarde de tempo encoberto no Rio de Janeiro. Após um trabalho no caloroso (e calorento) bairro da Tijuca, eu e dois colegas andávamos por uma calçada. Durante o trajeto, conversávamos sobre trivialidades. Ou melhor, o pacote básico dos papos masculinos: futebol, mulher e mais mulher. Em certo momento, os dois se calaram. Suas faces ficaram mais duras e as piadinhas sumiram. Passamos em frente a um casal de adolescentes que se amassava encostado em um carro. Ele, moleque espinhento de uns 15 anos. Ela, menina com peitinhos miúdos e uns 14 verões. Ambos com uniformes da escola.

- Taí uma coisa que me arrebenta – começou Haroldo.

- Se fosse filha minha, seria só um tapão. Para acertar os dois com uma cacetada só - emendou Arquimedes sem deixar a bola quicar.

- O pai achando que a filhinha está no colégio e um vagabundo tirando uma casquinha.

- E se fosse o meu carro? Ah, ela ficaria de castigo por uns três meses.

Era óbvio, mas decidi perguntar:

- Vem cá, vocês têm filhas?

- Tenho uma de 13 anos – respondeu Arquimedes.

- Duas. Uma de 11 e outra de 14 – completou Haroldo.

Claro que eram pais de meninas. Homem é um bicho que baba pelas suas filhotas, mas tem pavor de que um pivete de mãos peludas invada os seus domínios. Eu tenho amigos com filhas pequenas e uma certa conversa fecha o tempo:

- Aí, já imaginou daqui a alguns anos? Você chega em casa e encontra um infeliz, sentado no seu sofá, bebendo a sua cerveja e beliscando a sua filha. E ainda vai tentar fazer média com o clássico "faaala, sogrão".

- Eu mato.

- E o cara ainda pode torcer para outro time. O desgraçado usa o seu pacote Sócio PFC para ver o jogo do... Vasco.

- Eu mato, mas é melhor que gostar de "High School Musical".

Outra momento impagável foi o de um amigo meu, pai de uma bebezinha linda. Ele estava passeando com ela e uma simpática mãe cruzou o seu caminho com outro pequerrucho, aparentemente da mesma idade. Tenho uma teoria que pais babões adoram elogiar os filhotes dos outros para ouvir gracejos aos seus. Tudo corria bem até que a inadvertida senhorita cutucou a onça:

- Quando crescer, meu filho pode até namorar a sua filha.

Como era de se esperar, acabou a paz. Acabou o amor.

- Seu filho vai ser gay.

Quem mandou mexer com o ponto fraco dos pais de família.

QUAL A MORAL DA HISTÓRIA,
HE-MAN?
Amiguinho, o megapower He-Man está ciente deste temor. Vou revelar a essência desse pavor todo. Por favor, anote na sua agenda do Pokemon a verdade nua e crua. Todo homem teme que um garoto faça com a sua filha o mesmo que ele já fez com a filha dos outros. É doloroso, né? Simples assim. Amiguinho, guarde suas coisas onde você possa encontrá-las quando precisar. Isso economiza tempo e aborrecimento. Até a próxima!!!

sexta-feira, 6 de novembro de 2009

A caixinha de surpresas de Verônika

Por incrível que pareça, tenho uma razoável proximidade com o Japão. Nunca pisei em solo nipônico nem possuo raízes por lá, mas por acaso tenho parentes nascidos na Terra do Sol Nascente. Tudo começou quando um dos meus tios mais mulherengos foi encantado por uma baixinha de olhos puxados. Meses depois do casamento, ele fez as malas e decidiu dar um pulinho lá do outro lado do mundo. O passeio durou quase uma década e rendeu experiência, piadas, um pouco de dinheiro e duas filhas gêmeas japonesas. Meus pais são padrinhos das minhas priminhas orientais.

Assim como o meu tio galinhão, Verônika saiu do Brasil para se aventurar no arquipélago japonês. A diferença é que ela ainda está por lá. Ela e o filhote pequeno.

Era uma vez...

Verônika e mais uma cacetada de gaijins (estrangeiros) vivem e trabalham no Japão. Na verdade, mais trabalham do que vivem, segundo contava meu tio.

Em um dia normal, nossa heroína seguiu o mesmo ritual de todo santo dia: acordar cedo, deixar o filho na escola e pegar um trem para o trabalho, um restaurante que é um retrato do mercado japonês. Para você ter uma ideia, além dela, as equipes reúnem gente da França, Itália e Alemanha. E olha que é só um restaurante.

O que iria diferenciar este dia dos outros é que Verônika teria duas experiências únicas com aquilo que a gente cisma em chamar de acaso.

Verônika estava na estação Harajuku aguardando o trem e percebeu um homem ocidental concentrado. A moça apertou os olhinhos e percebeu que ele lia um livreto. Parecia ser um dicionário ou um pequeno guia do país. Era um turista com a cara do Johnny Depp. O trem chegou e o rapaz sumiu na multidão, deixando a menina encantada e frustrada.

Aliás, não entendo como alguém pode ser os cornos do Johnny Depp. Observe "Piratas do Caribe", "A Fantástica Fábrica de Chocolate", "Donnie Brasco" e "Edward Mãos de Tesoura", citando poucos. O cara muda o visual com a facilidade de quem troca de roupa. Se bobear, só a mãe dele sabe como ele é originalmente.

Horas depois, já no restaurante, o acaso atuou pela primeira vez.

O coração de Verônika quase saltou pela boca quando o Johnny Depp da estação entrou pela porta da frente. Ela acompanhou seus movimentos como se estivessem em câmera lenta e tentou calcular qual a probabilidade do mesmo rapaz que a fascinou na estação entrar no seu restaurante, em uma rua repleta de opções.

Matemática nunca foi o forte de Verônika, então logo abandou os cálculos. Rapidamente, ela reuniu as colegas e foi categórica:

- Vocês estão vendo aquela mesa ali? Deixem comigo.

As cúmplices toparam e Verônika logo descobriu que ele era francês e falava um inglês todo avacalhado.

Tô pra ver um francês comum falar a língua de Shakespeare com desenvoltura e prazer. Pois é, a Guerra dos 100 anos não passou impune.

Verônika desejou receber 50 chibatadas por ter ignorado as aulas de francês da Madame Juliette, mas superou os problemas de comunicação e engrenou um papo com o Johnny Depp da estação.

- Vou ficar mais oito dias por aqui. Você não quer me mostrar a região? - ele perguntou e Verônika quase deu um salto mortal duplo carpado para trás. Sentiu o tamanho da sua alegria? Mas como era gata escaldada, ela ainda arriscou um último teste.

- Claro, posso levar o meu filho pequeno?

Não me pergunte o porquê. Pergunta para a Verônika. Diz ela que é para dar uma chance para o cara desistir.

- Sem problema – aprovadíssimo. Imediatamente, eles trocaram e-mails e telefones em um guardanapo. Ele sorriu e guardou o pedacinho de papel. Não teve iPhone, celular de última geração ou laptop wireless. Só dois pedacinhos de papel como antigamente. Verônika tremia de excitação. Eles se falariam à noite.

Durante o dia, a brasileira trabalhou como se estivesse flutuando. Só que mesmo as atendentes flutuantes precisam comer. Verônika esqueceu de fazer qualquer refeição durante o dia. Uma das colegas percebeu e chamou a sua atenção:

- Você não comeu nada o dia inteiro. Tenho dois sanduíches de frango. Você quer um?

Neste instante, o acaso se manifestou pela segunda vez no mesmo dia.

- Claro. Por que não? - Verônika escolheu o da esquerda. Foi um gesto automático.

Algum tempo depois, ela começou a sentir fortes dores no estômago. Depois de vomitar tudo, Verônika continuou sentindo o abdômen doer como se tivesse bebido limonada com vidro picado. Correu para o hospital, onde foi imediatamente internada com o diagnóstico de infecção alimentar.

Tá pensando que tem SUS no Japão? Nada disso. Lá a parada funciona.

Maior que a dor na barriga foi a dor de perder o encontro com o Johnny Depp da estação. Curiosamente, Verônika ficou hospitalizada por... oito dias.

Momento flashback, que nem LOST: "vou ficar mais oito dias por aqui", disse o Johnny Depp, "oito dias. Oito dias. Oito dias". Vou confessar uma coisa: sempre quis escrever uma intervenção de flashback. A-do-rei! Opa... voltemos à história de Verônika.

Eles ainda trocaram alguns e-mails, mas o inglês escrito do Johnny Depp da estação era pior que os enigmas do Zodíaco, aquele lendário assassino estadunidense que nunca foi capturado. Exagerei, mas era muito ruim mesmo. Verônika ainda guarda o pedacinho de papel com o telefone e o e-mail do francês. Quem sabe ela escolha a Europa para um passeio de férias. Talvez a França, por acaso.


QUAL A MORAL DA HISTÓRIA,
HE-MAN?
Amiguinho, se eu não tivesse a onisciência quase divina, eu diria que você está vendo muito SciFi Channel ou tomando muito açaí com proteinato. Sei lá, essas coisas dão onda. Enfim, a vida é cercada por manifestações do inesperado. Quando o súbito vem temperado por coincidências espantosas, as cabecinhas humanas especulam sobre o efeito borboleta, destino, sina, sorte e até azar. Pois vou dizer uma verdade cósmica: as pessoas são emanam energia e magnetismo. De certa forma, essas forças interferem involuntariamente no seu universo particular (não no disco da Marisa Monte, amiguinho). Caraca, maluco! Essa foi a moral da história mais Arquivo X que eu já concebi. Amiguinho, entre as suas cachaçadas, beba água. O álcool desidrata. Até a próxima!!!

PS. Querida Verônika, obrigado pela história inspiradora e pelos e-mails simpáticos.