sexta-feira, 28 de setembro de 2007

O segundo encontro com uma moça de família

Certas mulheres são para colar. Nesse caso, os pais da pretendida são peças-chaves na campanha. Caso você venha a conhecê-los, fazer bonito é construir aliados eternos para seus planos de conquista. Claro que o bom senso é primordial, pois você não pode perder a naturalidade. Se der pinta de interesseiro (e não interessado) o jogo vira e de bom partido você se torna safado e dissimulado.

Já no segundo encontro com Alicinha, eu caminhei no fio da navalha e virei pauta de discussão familiar.

Tudo começou com o dia clareando. Alicinha tirou os sapatos no corredor e entrou em casa como se pisasse em ovos. À primeira vista, não percebeu ninguém e suspirou um pouco mais aliviada. Seu medo era que o cachorro estivesse acordado e viesse fazer festa para recebê-la. Nada dele também. O apartamento estava silencioso e parecia que não haveria problemas.

- Não adianta entrar na ponta dos pés. Eu já te vi.

Alicinha quase engoliu o próprio coração.

- Bom dia, mãe.

- Isso são horas, minha filha? - apareceu o pai sabe-se lá de onde. Nessas horas, todo mundo é ninja.

- Perdi a hora, gente. Desculpa - Alicinha baixou a cabeça e zuniu para o seu quarto. Óbvio que sua mãe foi no seu encalço.

- Filhinha, podemos conversar?

Alicinha gelou, mas como dizer não?

- Claro, mãe.

- Você sabe que eu simpatizei com o Doug, né?

Parêntesis. Conheci a mãe da Alicinha na missa de domingo. Olha que coisa mais “bom rapaz”! Só nesse primeiro contato, minhas ações subiram uma enormidade na cotação da família.

Fecha parêntesis.

- Sei, mãe.

- Mas, você não acha que está muito cedo para dormirem juntos?

- MÃE!!!

- Filhinha, as meninas estão muito fáceis hoje em dia e você não pode dar assim no segundo encontro.

- Mãe do céu, está me matando de vergonha,

- É que nós te amamos - o pai entrou no quarto. O malandro estava na porta esperando a deixa para entrar em cena. Se fosse um avestruz, Alicinha enfiaria a cabeça no chão e não tiraria nunca mais.

- Gente, não aconteceu nada! A gente estava no apê de amigos e exageramos no vinho. Ele dormiu na sala e eu dormi com minha amiga no quarto. Pai, sai do quarto. Vai assistir Globo Ciência ou Globo Rural ou seja lá o que estiver passando agora!

O pai saiu.

- Meu amor, nós confiamos em você.

- Eu sei, mãe. Por isso mesmo que devem acreditar em mim.

- Mas esse papo é difícil de engolir, hein? Você não aprontou nada?

- Aimeudeus-aimeudeus-aimeudeus...

- Você precisa se preservar. Que graça tem ele comer o lanche antes do recreio?

- MÃÃÃÃÃE!!! De onde você tirou essa? Que papo é esse de lanche e recreio? Eu sou é prato principal.

A mãe se assustou. Alicinha se assustou. Eu, quando ouvi esse relato, me assustei.

Na hora do aperto, a gente fala cada idiotice.

- Alicinha, minha filhota...

- Mãe, vai dormir.

- São sete e meia da manhã.

- Então, vai andar na praia, ler o jornal, fazer ioga... sei lá.

- Filhinha, você não quer tomar um banho antes de dormir?

- Não.

- Por que? Já tomou durante a madrugada?

- Mãe, quer me rachar de vergonha?

- Desculpa, Alicinha.

- Não aconteceu nada, tá? Fica tranqüila. Posso dormir?

A mãe fez que sim com a cabeça e levantou-se da cama.

- Alicinha... - disse ela antes de fechar a porta.

- Fala.

- Vou deixar essas camisinhas aqui na sua mesa, tá?

- MÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃE!!!

E assim, minha boa reputação foi para o ralo.


***

OBSERVAÇÃO DO SURFISTA: Caso a Mãe da Alicinha leia essa crônica, gostaria que ela soubesse que não rolou nada de verdade. Juro!


***

QUAL A MORAL DA HISTÓRIA,
HE-MAN?

Amiguinhos queridos do coração, um dos procedimentos da Campanha é somar pontos com todas as figuras próximas à mulher pretendida. Isso envolve, principalmente, os pais da guria. Imagina se você é pai de uma gatinha e aparece na sua porta um barbado com os espermatozóides se acotovelando como se estivessem na Maratona de São Silvestre (bom, eles não têm cotovelos, mas entenda como se tivessem). Você vai lembrar dos seus tempos de garoto e das meninas que já barbarizou. Sentiu o drama? Então deixe o sogrão dormir em paz. Se você pretende levar o relacionamento adiante, cause uma boa impressão devolvendo a mocinha sã e salva antes de raiar o dia. Com o passar do tempo, você conquista os progenitores e ganha carta branca para seqüestrar a menina por tempo indeterminado. Caso não role uma afinidade com os pais, lembre-se da poesia de Chico Buarque: "Você não gosta de mim, mas sua filha gosta". Amiguinho, evite comer alimentos pesados antes de dormir. Prefira um copo de leite ou de suco. Até a próxima!

segunda-feira, 24 de setembro de 2007

Não me chama de Bonzinho!

Já comentei por aqui como é revoltante ser chamado de “irmãozinho” por uma mulher, especialmente aquela que está na sua mira. No entanto, alguns amigos me apontaram um termo muito mais pejorativo, degradante, desclassificante e repugnante: Bonzinho .

Homem que é homem não atura ser chamado de Bonzinho assim de bobeira. É uma avacalhação disfarçada de palavra amena. Veja alguns exemplos de interpretações a esse termo:

“Juninho é um amor. Ele é tão Bonzinho”.

Juninho é um trouxa. É o tipo de indivíduo que toma tapa na nuca e acha engraçado.

“Meu namorado Fernandinho é muito Bonzinho”.

Fernandinho é, foi ou será corno. Só precisa do ajuste do tempo verbal. E também não pratica o ato com propriedade. Aposto.

“Amiga, quero te apresentar o Arnaldo Ele é muito Bonzinho e combina contigo”.

Arnaldo é um pastel e essa mulher não é sua amiga. Ela está te insultando por tabela. Amiga que é amiga não põe Bonzinhos nas fitas das companheiras. Se quiser demonstrar amizade, vai apresentar um sujeito com ar de sacana e conversa interessante.

Agora, segundo minhas apurações, vamos desmistificar algumas idéias femininas equivocadas.

“O cara que abre a porta do carro para mim é Bonzinho?”

Não, ele é cavalheiro. Mandar flores, abrir a porta do carro, oferecer o casaco quando a dama sente frio, escolher bons programas e pagar a conta nos primeiros encontros são atitudes de homens atenciosos. O Bonzinho pode até tentar fazer isso, mas ele ficará longe da espontaneidade. Sua natureza é ser capacho e não ser gentil.

“Haroldo quer pagar uma viagem para mim. Ele é Bonzinho?”

Esse caso precisa de apreciação. Se Haroldo quisesse apenas sexo selvagem e descompromissado, ele não precisaria te chamar para viajar. Motel tem em todo lugar. Ele pode estar lhe valorizando e querendo lhe proporcionar um momento inesquecível. Nesse caso, aceite e seja feliz. Se Haroldo quiser apenas impressionar você e, principalmente, os amigos Bonzinhos, ele é uma mané, e por conseqüência, um Bonzinho-mor. Aceita a viagem, aproveita bastante e depois dá um pé nesse panaca. Ele vai até achar legal.

“Nonato sempre carrega minhas coisas. Ele é muito Bonzinho!”

E bota Bonzinho nisso. A gentileza de carregar a bolsa ou compras da mulher é mais um sinal de cavalheirismo. Mas, se você, mulher, enxerga no seu homem apenas um cabide e ele acha bacana, então se formou o casal perfeito: a megera e o Bonzinho.

“Aristeu aceita todos os meus convites e programas sem reclamar. Ele é Bonzinho?”

Bonzinho de marca maior. Aristeu não tem personalidade e nem poder de argumentação para negar suas propostas. Ele é um acomodado. Se você quiser pular da ponte, ele topa porque não tem nada melhor para fazer.

“Norberto sempre me ajuda nos trabalhos da faculdade. Ele é Bonzinho?”

Querida, abre teu olho. Norberto quer te pegar e está indo pelo caminho mais complexo. Assim, ele corre o risco de parecer amigo ou irmãozinho (Argh!). Se ele demorar muito para dar o bote, é porque ele é Bonzinho mesmo. Aí você nem precisa mais se contentar com ajuda nos trabalhos. Entrega tudo para ele fazer e vai curtir a tarde na praia com suas amigas.

“Meu pai quer que eu namore um homem Bonzinho. Ele está certo?”

Pergunta para o seu velho se ele já foi Bonzinho com a filha de alguém. Por amor, ele quer tomar conta da sua integridade física e sexual torcendo para que você se apaixone pelo cidadão mais Bonzinho da Via Láctea. Assim ele dormirá tranqüilo e você, infelizmente, dormirá sem ser importunada.

“Meu namorado Adalberto me cobre de elogios, presentes e carinho. Ele é Bonzinho?”

Adalberto está com boas intenções, mas pode estar perdendo a mão. Cabe a você salvar a pele dele e livrá-lo do estigma Bonzinho. Explique ao rapaz que tudo em excesso é prejudicial. Para ele entender direitinho, dá o exemplo da rosa, que precisa ser regada, mas com quantidades limitadas de água. Se exagerar, a florzinha morre. Mas, caso o Adalberto não pesque a mensagem, ele é um Bonzinho mesmo.

Depois de muito pesquisar e ouvir diferentes mulheres, a melhor definição para o não-Bonzinho veio da minha estagiária-loira-de-1,80m. Do alto (literalmente) de sua sagacidade, ele resumiu:

- Homem interessante é aquele que sabe dizer "não" quando precisa, é aquele que se impõe. É nesse que a gente gama.

Amém!


***





QUAL A MORAL DA HISTÓRIA,
HE-MAN?
Calma, Surfista. Você está muito irritado. Alguém te chamou de Bonzinho recentemente? Bom, amiguinho, depois te tantos exemplos, fica até difícil concluir. Bonzinho é um diminutivo, e isso já soa mal. É um adjetivo escrotamente redutor que apequena o homem. Fora isso, Bonzinho é o cara que quer agradar de todos os jeitos e acaba ficando chatinho (ih, outro diminutivo). Se alguém lhe atribuir essa palavra, desconfie. Se você não conseguir levar essas mensagens para casa, você corre um sério risco de ser um Bonzinho. Amiguinho, faça todas as suas tarefas hoje. Evite deixar para amanhã. Até a próxima!

quarta-feira, 19 de setembro de 2007

Maldito Pato Donald

Depois de um mês e pouco de blog, fiz algumas descobertas interessantes. A primeira é que o brinquedo é excelente. A segunda é que me dedicar a esse espaço abriu meus olhos para outros diários de diferentes estilos. Um dos meus favoritos é o das Exterminadoras de Hélios, que tem textos deliciosos sobre as peripécias de duas solteiras no Rio de Janeiro. Bom, esse merchandising 0800 tem um razão. Um dos posts de lá me fez lembrar de uma das arapucas que um homem com mais de 20 anos pode cair: ir a um festa à fantasia na serra vestido de Pato Donald.

Aos 44 do segundo tempo, Renato não tinha mais escolha: ou aceitava ou abortava a missão. Como era um guerreiro da linhagem do Conan, o Bárbaro, ele topou a última fantasia da loja. Só sobrou o figurino do Pato Donald e o traje era completaço: roupa de marinheiro, máscara cabeção-style e aquele quadril largo do personagem. Tinha até um rabo de penas.

- Olha pelo lado bom, cara. Você vai ser visto como um cara simpático - tentei animar o Renato, mas ele não achou a possibilidade de ser simpático uma boa. Como não tinha remédio, foi assim mesmo, à la Pato Donald.

No começou, ele estava visivelmente envergonhado com o raio da roupa, mas nada que umas três doses de birita pesada não o fizesse abstrair. Depois de uma hora de festa, Renato estava tão à vontade quanto os Zorros, Don Juans, Batmans e demais fantasiados estilosos.

Aliás, pausa para uma reflexão. Por mais que seja bem-humorado, o cidadão que vai fantasiado de cone não pode achar que vai pegar caminhões de mulheres. As moçoilas que freqüentam essas festas querem mesmo é a materialização de suas fantasias sexuais. Eu já me fantasiei de oficial da marinha e sei que o impacto é outro. Estou mentindo?

E seguiu a bola rolando.

Perto do fim da noite, Renato tinha se dado bem com uma penca de Tiazinhas, Pedritas, enfermeiras, policiais e até com uma faxineira. Acho que essa não estava fantasiada e sim a serviço. Bom, o Pato Donald fez sucesso, afinal de contas.

Do jeito que estávamos, a gente agarrava até árvore de decoração. Mas, com o sol raiando e o álcool em excesso no sangue, decidimos voltar para o hotel. Renato pediu para ir ao banheiro antes.

Juro que não sei se ele demorou ou a gente estava sem muita noção, mas o que importa é que fomos embora e o Pato Donald ficou. A partir daqui, o depoimento é segundo informações do Renato e duvido que ele tenha mentido.

Depois da quinta vez, meu companheiro de empreitada aprendeu a se virar com o quadril felpudo da fantasia e fazer xixi sem se enrolar. A operação levava um tempinho, mas nada de mais. Assim que ele voltou, mais aliviado, por sinal, percebeu que não estávamos no ponto de encontro. Procurou por todo o local e nada.

Quando ele dizia nada era nada mesmo. Até os seguranças estavam indo embora. Percebendo que estava na roubada, Renato decidiu pegar um táxi para o hotel. Nessa hora, sentiu que a furada era maior que ele pensava.

Se a festa era com tudo liberado, por que carregar a carteira? O rapaz estava sem um centavo no bolso.

E como Murphy estava fazendo hora-extra, nenhum táxi queria se arriscar a transportar o Pato Donald manguaçado só na base da confiança. Não havia mais o que fazer.

Xingando nossas mães, avós, bisavós e tataravós até a geração de Adão e Eva, Renato caminhou até uma rua mais movimentada. A manhã de sábado já despontava e as vias começavam a encher de gente. Enquanto ficava sóbrio, o andarilho percebia o quanto estava ridículo na fantasia.

Em uma esquina qualquer, decidiu que iria para o tudo ou nada: iria pegar um ônibus para o centro de Petrópolis, onde se localizava o hotel. Fez sinal e o coletivo parou. Entrou e percebeu que era o centro das atenções. Não era todo dia que os trabalhadores locais pegavam a condução com o Pato Donald.

- Olha só, trocador, estou sem dinheiro. Dá uma moral e me deixa passar por baixo da roleta - Renato pediu quase com lágrimas nos olhos.

- Não vai dar, não, parceiro.

- Pelamordedeus.

Diante de um homem humilhado e desgraçadamente vestido, o trocador ficou na dúvida.

- Deixa o Pato passar - gritou uma velhinha. Outros apoiaram e o trocador se sensibilizou.

- Passa logo, antes que eu me arrependa.

Renato passou com muito sacrifício, pois o pandeirão ficou preso sob a roleta. A velhinha ajudou e ele conseguiu rastejar.

Suado, humilhado e sujo, mas sóbrio, Renato parou no ponto perto do hotel. Caminhava com passos cansados e mal via a hora de estrangular cada um de nós. Quase na porta do local, ouviu alguém o chamando. Um Fusca parou pertinho dele e abriu a janela ao lado do carona.

- Ô, você aí! - gritou um gordinho de dentro do carro.

Renato nem respondeu. Desconfiadamente, apenas virou para o motorista.

- Pato filho da puta! - o motorista gritou realçando todos os fonemas da frase. Depois, arrancou e deixou em seu rastro uma risada diabólica.

Renato não acreditou. Ficou com medo de que algo pior pudesse acontecer e correu para o hotel. Chegou tão cansado que nem chegou a esboçar seu ódio nos sufocando com o travesseiro enquanto dormíamos. Na verdade, ficou de mal, mas voltou a falar comigo e com meus cúmplices depois de alguns dias. Só não ri da história.

Daquela aventura, lembro mais dele chegando ao quarto e capotando na cama sem trocar de roupa. Durante seu sono, ele alternava roncos com uma reclamação constante.

- Maldito Pato Donald.


***

QUAL A MORAL DA HISTÓRIA,
HE-MAN?

Amiguinho, que coisa feia deixar o coleguinha nesse mato sem cachorro. Se fosse comigo, eu enfiaria a minha Espada de Greyskull em partes anatomicamente compatíveis do seu corpo. Mas, já que foi feito, tente aprender com essa aventura. Em uma festa à fantasia, seu traje definirá exatamente suas perspectivas da noite. Usar aqueles clichês do Don Juan, Zorro, bombeiro, dominatrix, médica e aeromoça (essas últimas, eu adoro), entre outras, já definem que você está na pista pra negócio. Optar por fantasias de boneco do posto, girafa, atendente do MacDonald’s, poste ou Presidente Lula dificultará sua missão de farpar o sexo oposto. Você será apenas engraçadinho. Seja lá qual for a sua intenção, seja coerente e divirta-se. Amiguinho, não seja egoísta e procure dividir seus brinquedos e balas sempre. Até a próxima!

terça-feira, 18 de setembro de 2007

Na esquina da Ipiranga com a Avenida São João

Pois é, descobri que gosto de São Paulo. Ainda me divirto enormemente com o bairrismo com o Rio, mas a Terra da Garoa sempre me recebe tão bem que não posso ficar de pinimba. No entanto, eu ainda sentia a falta de uma aventura que colocasse a cidade no meu currículo. Recentemente, passei alguns dias por lá e voltei com a certeza de que Sampa estava definitivamente no meu mapa.

Bem cedinho, eu estava no Aeroporto do Galeão pronto para dias de trabalho em São Paulo. Sem maiores surpresas, meu vôo atrasou mais de duas horas. Como Papai do Céu é sempre muito bacana comigo, eu fui remanejado para um outro avião, cuja aeromoça era um deslumbre. Era uma morena de cabelos negros e olhos azuis faiscantes. Acho que você poderia perceber seus olhos a cem metros de distância.

Momento confissão: sou tarado por aeromoças e médicas. Acho que o lance do uniforme me excita. Eita, fiquei tenso.

- O senhor aceita uma barrinha de cereal e uma bebida?

Coisa linda, eu aceito o que você oferecer. Aliás, você aceita casar comigo?

Queria ter dito isso, mas não disse. Os olhos da aeromoça me deixaram inibidos e eu acabei ficando apenas com a barrinha de cereal.

Infelizmente, a participação da comissária de bordo da Gol acaba aqui, mas logo senti que essa viagem seria diferente. A constatação veio em dobradinha. A primeira chegou logo no saguão de Congonhas. Ouvi meu nome duas vezes e fui surpreendido por um amigo que não via há anos. Ele estava trabalhando por lá. Em uma conversa rápida (típica de São Paulo), ele foi profético:

- Você tem que vir a passeio e ficar lá em casa. Você não tem noção do quanto as mulheres atacam aqui.

Guardei suas palavras antes da despedida.

A segunda constatação veio quando saí do aeroporto. Pela primeira vez, eu vi o céu de São Paulo. O azul estava um pouco pálido, mas claro e aberto. A cidade estava até mais bonita com o pano de fundo celeste.

Essa viagem promete.

O hotel ficava no Centro, perto da estação São Bento, e parecia um daqueles que aparecem nos livros do Stephen King. Tinha um estilo antigo, saguão escuro e uma atendente com os cabelos armados de laquê. Ela me deu a chave do quarto e sorriu com dentes a menos.

Ai, ai, ai...

O quarto era tranquilão. Não era um Hilton Plaza, mas estava limpinho e com perfume de amaciante Fofo, aquele do rótulo do ursinho. Desfiz as malas e voei para o trabalho, pois estava com o horário estourado. Voltei à noite com o corpo exausto. Decidi deixar para aprontar no dia seguinte.

Dito e feito. Depois de voltar do trabalho, eu desci e fui falar com a recepcionista de laquê. A moça simpatizou comigo e estava toda solícita.

- Laudirene, onde eu posso tomar um chopinho legal?

- Você quer só um chopinho ou quer algo mais?

- Minha amiga, olha bem pra mim. Eu quero é conferir a reputação das paulistas. Mas não pode ser longe, porque não conheço nada aqui e posso me perder.

- Você conhece a esquina da Ipiranga com a avenida São João?

Santo Caetano Veloso. Esse endereço não pode ser furada. Peguei as orientações e fui conhecer o happy-hour paulistano.

Entre o hotel e a esquina famosa, me senti no Rio de Janeiro. Passei por uns três caras com a camisa do Flamengo e pela Casa de Sucos Copacabana.

Enfim, cheguei ao Bar Brahma. Lugar de pé direito alto, alguns engravatados pitorescos falando do Corinthians e um chopp classe A. Comecei a me sentir realmente em São Paulo. Uma banda iniciou um show de samba de raiz e voltei a me sentir no Rio. Excelente grupo, por sinal.

Fiquei sondando o ambiente, mas até então nada que despertasse meus instintos mais primitivos. Eis que funciona algo que não consigo explicar. Sei lá se é algo relacionado à mentalização de “O Segredo” ou algum feromônio masculino liberado, mas aconteceu. Na mesa ao lado, sentou uma ruiva com lá seus quarenta anos, mas porte de atleta. Ela usava um jeans colado, uma blusa que realçava o busto e uma jaqueta charmosa. Fazia o ar de mulher independente e me fuzilou com um olhar.

Visualizei um balão de pensamento com a imagem do meu amigo do aeroporto repetindo “você não tem noção do quanto as mulheres atacam aqui.”.

Como não sou amador, olhei de volta. Ela pediu um chopp e fez um sinal.

Senta aqui.

Nem pensei duas vezes.

Ela era economista, era paulista mesmo e usava um perfume delicioso. Fez várias perguntas sobre mim e me cobriu de elogios. Em dado momento botou as cartas na mesa.

- Você é casado?

Por que raios ela está me perguntando isso?

Olhei para a mão esquerda dela e tentei sacar a aliança. Não rolou, pois ela usava mais anéis que a cigana Zoraide.

- Não sou casado. Você é?

- Sinceramente? Sou casada.

Ui! E agora? Mulher casada não tem no meu portfólio e nem pretendo colocar.

- E cadê o seu dono? - perguntei.

- Está em casa. A gente está em processo de divórcio.

Não me importa. Sou careta. Enquanto dividirem a cama, ainda são marido e mulher.

- Isso te incomoda? - ela perguntou.

Nãããããããoooo, imagina... Eu pego mulheres casadas dia sim, dia não.

- Olha, não é o tipo de coisa que me deixa sossegado.

- Fica despreocupado.

Ih, quer dar! E agora? Vai que essa mulher tem um detetive na cola dela. Vou virar pauta do Linha Direta.

- Você volta para o Rio quando?

Era a deixa que eu precisava.

- Amanhã cedinho. Tenho que acordar de madrugada. Ih, olha o horário! Tenho que ir. Fui!

Saí de fininho, mas deixei meu telefone. Ela me ligou para desejar boa noite, bom dia e boa viagem, respectivamente. Assumo que fugi da raia, mas pra que arriscar, né?

Na noite seguinte, embarquei para o Rio. Depois de mais um atraso (dessa vez, trinta minutos), repeti um ritual que sempre faço em minhas visitas a São Paulo. Olhei para o céu, mas não foi dessa vez que vi estrelas por ali. Quem sabe da próxima.


***

QUAL A MORAL DA HISTÓRIA,
HE-MAN?
Ah, essas mulheres. Amiguinho, eu gostaria de lhe parabenizar pela sensatez e, principalmente, pela valentia. Sei o quanto é difícil pensar com a cabeça de cima em circunstâncias de pressão extrema. Mas, me acompanha, com tanta mulher desimpedida, por que correr riscos bobos com uma que já foi enquadrada? Anote o telefone e deixa no cardápio, quer dizer, caderninho. Quem sabe ela decida inaugurar a fase solteira em um fim de semana no Rio? No mais, São Paulo é uma cidade bacana. Se não fosse, pelo menos, interessante, não teria tanta gente morando lá. Pergunte aos nordestinos, por exemplo. Amiguinho, não esqueça de olhar para os dois lados antes de atravessar as ruas.

terça-feira, 11 de setembro de 2007

Vem, lindinha!

Essa é uma história de vingança. E como toda boa história de revanche, ela começa muito tempo depois, tomando forma exatamente quando menos se espera...

Tudo que eu queria era um filme em reprise na TV. Acho que todos já tiveram esse desejo em uma tarde preguiçosa de sábado. Ainda mais depois de uma longa partida de futebol sob um sol senegalês. Para o quinto dos infernos com a Mega-Sena ou com a boquinha linda da Angelina Jolie. Eu só queria minha cama, ar-condicionado e um filme da "Sessão da Tarde" daqueles que passam toda semana. Não tem problema em dormir no meio ou perder a história. Sei que a maioria das pessoas preferiria um disco de jazz ou o novo álbum da Enya, mas música sempre me prende a atenção.

Já estava com a calça do pijama e o ar-condicionado mantinha a temperatura em agradáveis 18 graus. Só me faltava a historinha. A TV estava ligada, mas não tinha nenhum clássico passando. Isso poderia prejudicar meu soninho. Lembrei dos meus DVDs e escolhi "O Mágico de Oz". Quando puxei o filme na prateleira, um cartão caiu no chão. Eu o apanhei e tinha um nome e telefone.

Quem era Lígia?

Esse é um nome comum e o cartão não me deixava outras pistas.

Lígia, Lígia, Lígia... Lembrei!

Conheci a tal Lígia no reveillón em Ipanema. Nós conversamos por um bom tempo, mas não consegui nada além do cartão com o telefone. Esqueci de ligar e já fazia quase dois meses desde a virada do ano. Olhei para o pedacinho de papel na mão esquerda e o filme na mão direita. Lígia ou "O Mágico de Oz"?

Foi mal, Dorothy.

- Alô.

- Alô - voz de mulher.

- Lígia?

- Sou eu. Quem é?

Me identifiquei.

- Quem?

Péssimo começo.

- A gente se conheceu na festa de reveillón da Lucinha. Ficamos conversando um tempo e você me deu o seu telefone. Desculpa a demora em te ligar.

- Ah.

Foi um "ah" do tipo "então tá". Sem tom de alegria. Aprendi que o "ah" é o sinal se você está indo bem ou não. Quando o "ah" é longo e melodioso, seu contato foi uma surpresa bem-vinda. Quando é curto e seco, é ruim. Só falta ser seguido de um "e daí?"

- Fiz mal em ligar?

- Bom, não sei...

Danou-se!

- Pois é, encontrei o seu telefone e decidi telefonar. Você me passou uma impressão muito legal e queria continuar a conversa.

Fiz um elogio para amansar a fera.

- Obrigada.

Oba, progresso.

- Queria te rever. Talvez tomar um chopp. Abriu um bar muito charmoso no Leblon e...

- Nesse fim de semana não vai dar. Tenho compromissos marcados.

Ai, ai, ai.

Ela cortou a tática de mostrar conhecimento sobre os novos points da cidade.

- Talvez outro dia?

- Não sei.

- Lígia, você quer que eu ligue novamente?

- Melhor não.

Ippon!

- Bom, foi legal falar com você de novo. Tchau.

- Beijo pra você.

A mulher me enxota como um cão sarnento e depois me manda um beijo. Brincadeira, né?

- Outro pra você.

Sou um fraco. Devia ter sido frio e seco também. Beijo é o escambau!

Ela desligou primeiro.

Fiquei com telefone na mão e eu refletia sobre o ocorrido. O que tinha dado errado? Liguei de novo.

- Alô - ela atendeu.

- Lígia, sou eu de novo.

- Oi, o que foi dessa vez?

- Me tira uma dúvida.

- Qual?

- O que eu fiz de errado?

- Como assim, rapaz? - ela tomou um susto com a pergunta. Eu também tomaria. Imagina uma mulher tendo que dar explicações para um louco que conheceu no reveillón há quase dois meses. Eu não acreditava que eu estava fazendo isso.

- Queria saber em que ponto desandou a maionese. Tivemos um primeiro contato legal e eu senti que poderia ser promissor. Aí eu ligo e você me bota pra escanteio sem nenhuma cerimônia.

- Pois é, botei mesmo.

Cachorra! Não deveria concordar com isso.

- Então, o que fiz de errado? Eu aprendo rápido. Garanto que assim que você me contar, eu nunca mais repetirei o mesmo deslize.

- Será mesmo?

- Palavra de honra.

- Querido, você é engraçadinho e tal, mas tem um problema de tempo de ação.

- Tempo de ação?

- Sim. Se eu lhe dei o meu telefone é porque eu queria que você me ligasse, certo?

- Certo. Eu liguei.

- Ligou quase no reveillón seguinte, bonitinho. Tá certo que um certo tempinho faz parte do jogo. Deixar a menina naquela aflição "oh! Será que ele irá me ligar?" às vezes funciona, mas só quando não dura muito.

- Demorei muito, né?

- Uma eternidade. Até esqueci de você. Vou lhe contar um segredo: esse joguinho de deixar esperando é uma babaquice. Um cara me conquistou uma vez quando me chamou para sair e me ligou na véspera. Ele disse "segundo o protocolo, eu deveria lhe ligar só amanhã, mas eu queria muito ouvir a sua voz e liguei hoje, Não tenho nada para falar. Desculpa". Reparou que fofinho? Quase chamei o moço para o meu apartamento naquele exato momento.

Eu ouvia tudo atentamente.

- Queridinho, você deve ligar quando sentir aquela vontade incontrolável. Nada disso de deixar esperando só para fazer charminho. Você deve estar acostumado com mulheres mais bobinhas e entrou pelo cano dessa vez.

Entrei mesmo.

- O tempo jogou contra.

- Você acha mesmo que foi só o tempo?

- Teve mais?

- Você chegou muito cheio de si. Se identificou apenas pelo nome e nada mais. Deveria ter sido mais humilde e dado as referências. Nos vimos há um tempão e você se acha inesquecível?

Eu estava tomando uma escovada da Lígia, mas estava gostando.

- Entendi.

- E evita usar aqueles papos clichês. Aquele elogio de início, depois o convite para o bar da moda, a conversa mole e por aí vai.

- Lígia, eu nem lembrava de você. Encontrei o seu cartão engatado no DVD de "O Mágico de Oz". Estava sem nada para fazer e decidi ligar para arriscar.

- Bem mais sincero agora. Ponto para você.

- Você me deu um baile.

- Só te dei uns toques importantes.

- Quer sair comigo?

- Não.

- Por que?

- Estou saindo com o cara que quebrou as regras do jogo. Eu já falei sobre ele.

Filho da...

- Tudo bem. Obrigado pelos conselhos.

- De nada.

- Beijo e boa sorte.

- Obrigada. O mesmo para você, bonitinho.

Desliguei primeiro.

Dorothy, onde estávamos mesmo?




***


QUAL A MORAL DA HISTÓRIA,
HE-MAN?
Amiguinho, se você me fizer passar uma vergonha dessa, eu te excluo do meu fã-clube. Essa foi um dos approachs mais desprovidos de noção da história da raça humana. Quando o garotão entra por cima, sempre surgirá uma mulher que o porá para baixo. Isso é certo. Faça o favor de não confundir confiança com arrogância. Quando você deixou passar uma vida de intervalo entre um contato e outro, no mínimo, seja delicado na retomada. Entrar de sola como se você fosse a última coca-cola do deserto não vai te levar a lugar nenhum. Vai pelas beiradas e exercite o seu feeling. Sinta o terreno e vá à luta. Amiguinho, quando o papai e a mamãe dizem não, é não, mesmo. Seja obediente! Até a próxima.

segunda-feira, 10 de setembro de 2007

Dor de marmanjo

Antes de bater as botas, Cazuza (sim, aquele do Barão Vermelho) deixou uma meia-dúzia de frases para ecoar por gerações. Entre um porre e outro, uma das suas grandes sacadas foi descobrir que "as grandes verdades da vida são ditas na cama". E é sobre a realidade que surge entre quatro paredes que ouvi uma aventura digna de compartilhar com vocês.

Chicão é o tipo de nome que dispensa maiores apresentações. Você ouve esse nome e já procura um armário-três-por-quatro. Pois esse meu amigo era assim mesmo. Pois bem, além de malhador compulsivo e lutador de todas as modalidades de combate desarmado conhecidas pela humanidade, Chicão era advogado. Ele poderia moer seus oponentes na pancada e ainda tinha conhecimento sobre leis para arrancar até sua alma - legalmente. Se o Caveirão tivesse uma encarnação humana, seria o Chicão.

O mais engraçado é que o danado simpatizou comigo. Não sou um cara pequeno aos padrões brasileiros, mas quando estávamos juntos, nós parecíamos o Zeca Pagodinho e o Arlindo Cruz. Por essas e outras, ele me chamava de Peso Pena. É o típico humor de brutamontes.

Num desses chopps regados a um bom sambinha, Chicão me revelou que estava apaixonado. Um mês depois, eu conheci a Alaíde, morena de olhos verdes e porte atlético digno da Feiticeira em seus tempos áureos. É engraçado como essas figuras sempre se encontram. Dificilmente, você encontrará um emo saindo com uma pagodeira. Acho que poderia haver um cataclisma no tempo e espaço daqueles o Doutor Brown explicou em "De Volta para o Futuro". Enfim, o casal estava tão feliz que o mamute permitia ser chamado publicamente de Chiquinho.

Ah, o amor.

Num happy-hour descompromissado, encontrei com o Chiquinho, quer dizer, Chicão todo engravatado. Ele sentou ao meu lado e começamos a beber. Lá pela oitava tulipa, a combinação entre Deca Durabolin, Deca Durateston, Estrol, Promabolim, Hemogenine e Brahma gelada soltou a língua do malandro. Então, ouvi uma daquelas que só eu mesmo para guardar os detalhes na caixa-preta durante uma bebedeira.

- Ontem tive a primeira noite de amor com a Alaíde – começou.

Aliás, olha que engraçado. Se fosse uma safadinha qualquer, seria mais uma ripada, mas como era a namorada, tratou-se da primeira noite de amor.

Segue o jogo.

- Tu não imagina o que rolou, Peso Pena.

- Conta – joguei querosene na tenda do circo.

- Montei todo um cenário bacana. Armei um jantarzinho lá em casa, botei um hip-hop melódico, deixei a luz baixinha e coloquei umas três garrafas de Santa Carolina por perto. Ela chegou toda perfumadinha, toda lindinha, toda gostosinha. Meu coração disparou, maluco.

- E aí?

- A gente beliscou o lance lá e foi direto pros finalmente. Sabe como é, né? Sexo depois da refeição pode dar indigestão.

Ele bebeu mais uma golada de chopp e continuo com a saga.

- No meio do bem-bom, a Alaíde foi no meu ouvidinho e disse:

"Bate na minha cara".

- Bati de levinho e ela repetia.

"Bate mais".

- E eu bati.

"Forte, Chiquinho"

- Aumentei um pouquinho a força. Ela berrou e eu achei que estava agradando.

"Bate que nem homem, porra! Bate assim ó!"

Cheguei até a ouvir a bordoada. Quase engasguei com a cerveja.

SPLAFT!

- E a mulher me enfiou um tabefe daqueles de novela. Nunca ninguém me acertou uma cacetada dessas. Nem mamãe me bateu assim, Fiquei com os olhos cheios de lágrimas. Doeu lá no fundão.

E precisa de conclusão? Nunca mais se separaram. Semana passada recebi o convite para mais um casório.


***



QUAL A MORAL DA HISTÓRIA,
HE-MAN?

Pois é, amiguinho, fechou a porta do quarto, vale tudo. Eu sou da opinião que sexo é como pizza: até quando é ruim, é bom. Então, seja participativo, seja solidário durante o ato. Torne a pizza boa para ambos. Se o jogo fosse bom apenas para um, todo homem se contentaria com uma boneca inflável e os inventores do rabbit estariam mais ricos que o Bill Gates. O mais legal é descobrir como incendiar a relação sempre que puder. Romantismo é fundamental, mas saiba ser homem na hora de ser homem. Ajoelhou, tem que rezar. Bom, chega por hoje. Lembre-se de comer todas as suas refeições e só depois as sobremesas.

NOTA DO HE-MAN: Odeio explicar minhas divagações, mas vá lá. Acho que só a mulherada independente entendeu de primeira. Pra quem não acompanhou a piada, rabbit é aquele vibrador em forma de coelho que fez sucesso na série "Sex and the City".
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quarta-feira, 5 de setembro de 2007

Eu odeio casais felizes

Chega uma hora da vida que a máscara da demagogia desaba. Aí, meu amigo provido de testosterona, você se depara com uma das mais masculinas de todas as sensações: a dor-de-cotovelo do macho. E pras cucuias com o politicamente correto. Ainda mais quando se trata de um dos únicos cargos vitalícios da sociedade moderna: o de "ex".

Seja amanhã ou daqui a trinta anos, o título de "ex" persiste. Pode ser ex-mulher, ex-namorada, ex-presidente ex-seja-lá-o-que-for. Esses rodeios todos são para explicar que a chapa esquentou quando descobri que minha ex-namorada arrumou um namorado.
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E já? Terminamos praticamente ontem. Pelas minhas contas, foi há apenas cinco meses. O cadáver nem esfriou.

"Mas, Doug", me pergunta você, "esse não seria o rumo natural das coisas? Isso iria acontecer mais cedo ou mais tarde."

Concordo. Mas quem disse que estou sendo sensato? Eu sou dramático e quero que a sensatez se exploda. Pra começo de conversa, o que feriu meu orgulho de garanhão foi que ela se arrumou antes de mim.

"A fila andou, meu chapa!", veio aquela voz maldosa lá do fundo da minh'alma. Aí surgiu a dúvida mordaz: quem é o malandro?

Vou fuçar o orkut dela.

Não vou. Isso não condiz com minha natureza.

Vou. Sou humano e sou homem. Homem é cabeçudo.

Não vou. Onde já se viu? Coisa de moleque. E ainda tem aquele rastreador que dedura os visitantes.

Fui.

Argh!

Sim, ela está namorando. Está logo nas primeiras linhas. O orkut não tem nem anestesia. Cadê a foto do indivíduo? Cadê? Cadê? Deve ser alguém que eu conhecia. Ela sempre foi durona. Não iria namorar alguém que conheceu ontem. Eu padeci anos em campanha. Aposto que é algum conhecido que andava me secando. Quero saber a identidade do fura-olho.

Ih, o cara é novo na praça. Pior que ele é bonito. E ainda pior: o casal é bonito. Na verdade, o casal é lindo.

Ela continua espetacular e ele exala sucesso. Tem até barba bem-feita. Eu já conheci os titulares de ex-casos e ex-namoradas e sempre saí por cima. "Humpf! Não dá nem pro cheiro". Mas esse cara me deixou pequenininho.

Cadê o discurso de "espero que você encontre alguém que te faça feliz"? E aquele do "você merece alguém que te dê o que eu não consegui"? Não é que ela achou?

Não queria saber mais nada.

Mentira! Queria sim. Pedi para a minha querida e comprida estagiária (1,80m de loira, acredita?) levantar a ficha completa do elemento. Pois quanto mais eu sabia, mais eu me retorcia. O ordinário é todo gente boa, todo amigão. É o homem que ela merece. E vou além, seria o tipo de cara com o qual eu simpatizaria.

Bateu arrependimento pelo fim?

Olha, confesso que bateu por cinco longos segundos. Juro. Mas, veio a mesma conclusão de meses atrás. Não dava mais para nós. Ela realmente merece um cara que se entregue 100%, um sujeito que a compreenda, que tenha afinidades, que curta comédias românticas e que não se estresse por causa do Flamengo. O que ela deixou comigo está guardado e ficará aqui para sempre. Por mais que esteja miúdo, reduzido, soterrado, machucado etc... o amor é eterno. Tirando graves exceções, a pessoa amada há dois dias ou dez anos será sempre querida. O que difere é que o amor pode se vestir de carinho, respeito, amizade, cumplicidade. Mas, será amor em essência.

Como não poderia ser diferente, uma mulher do quilate dela não ficou dando sopa no mercado por muito tempo.

Previsível.

Espero que o bonitão seja o cara ideal. Do fundo do coração, tomara que seja. Por ele? Nem pensar. Por ela, claro.

Mas, pô, bem que ele poderia ser mais feinho.


***




QUAL A MORAL DA HISTÓRIA,
HE-MAN?
Amiguinho, você conferiu o exemplo de um homem com dor-de-cotovelo. A lição de hoje é uma só: "carrega a sua cruz, rapaz"! Lembre-se daquelas aulas de física do segundo grau nas quais você não estava dormindo: toda ação tem sua reação. Mulher bonita você encontra aos montes, mas uma especial é coisa de garimpeiro. Só que, amiguinho, nem sempre essas qualidades se encaixam no seu perfil. Agora, tudo são flores e estripulias sexuais, mas tente imaginar como seria uma vida a dois daqui a vinte, trinta ou quarenta anos. A mulher ideal é aquela com a qual você iria para uma ilha deserta e teria motivos para rir ou vivências para compartilhar por quase todos os dias. Não desanime e continue procurando a sua pepita. Bom, por hoje é só. Você já abraçou o papai e a mamãe hoje?

segunda-feira, 3 de setembro de 2007

Roubada

Sou um otimista convicto e assumido. Não perco tempo reclamando e também não pronuncio a palavra a-z-a-r, porque dá uma azar danado. No entanto, certas situações são tão estapafúrdias que ficam no extremo: o fracasso devastador ou um sucesso incompreensível. Sem essa de meio do caminho. Quando eu conheci Eliane, a história já começou esquisitona.

Pensa comigo: uma coletiva de imprensa do Ney Matogrosso é lá oportunidade para puxar assunto com uma moça? Me espelhei no Romário e falei comigo mesmo "para o artilheiro, qualquer meio-metro quadrado é espaço suficiente para tentar o gol". Só que de Romário eu não tenho absolutamente nada. Mas, como eu já disse, sou otimista, e eu não poderia deixar escapar a chance de conversar com aquela menina de olhos esmeraldas e cabelos curtinhos. Entre uma piadinha aqui e outra ali, eu descobri o seu nome: Eliane. Ela era paranaense, mas radicou-se em São Paulo. Ela trabalhava para um grande portal de Internet e morava no Rio há poucas semanas. Estava adorando, pois se descobriu apaixonada pela praia e pela cidade. Ah, os paulistas... fazem pouco caso da Cidade Maravilhosa, mas quando se entregam é amor total.

Depois do bate-papo com o Ney Matogrosso, trocamos telefones. Aliás, impressionante como o Ney não envelhece. O cara continua do mesmo jeitão da época dos Secos & Molhados. Quando olhei para ele, visualizei o cara requebrando e cantando "vira, vira, vira homem. Vira, vira lobisomem". Medo!

Durante as semanas seguintes, seguimos conversando por telefone ou e-mail. Descobri mais sobre o seu bom gosto musical, sobre seu passado anarquista, sobre sua independência de tudo e outros detalhes cativantes. Papo vem, papo vai, o que interessava era que eu queria revê-la. Como ela era uma mulher sofisticada, inteligentíssima e segura de si, eu teria que escolher um programa interessante para lançar a isca. Eis que surgiu uma oportunidade interessante: um show de uma banda alternativa no finado Rock in Rio, lá na Barra. Fiz o convite, ela... aceitou.

Descolei os convites e combinamos o horário.

- Eu vou direto do trabalho e a gente se encontra lá – como ela era independente, superiora. Aqueles olhos de esmeralda não eram de brincadeira.

No dia marcado, eu cheguei da academia e fui correndo me arrumar. Esqueci até o quimono fedorento de jiu-jitsu no banco de trás. E daí? Ela estava de carro, mesmo.

- Enquanto você estava no banho, peguei seu carro emprestado e fui comprar uns peixes para o almoço de Páscoa. Aquele seu quimono está insuportável – meu pai avisou.

- Pode deixar, pai. Minha malha de balé não fede.

E lá fui eu perfumadinho para o Rock in Rio.

Eliane chegou protocolarmente atrasada e estava linda de uma forma simples: blusinha social, jeans preto e aquele ar de profissional. Como boa paulista, ela me cumprimentou com apenas um beijo na bochecha. Fiquei com o rosto balançando esperando o segundo.

Bebemos e rimos bastante. Lá pelas onze horas, começou o show e a tragédia. Nem lembro o nome da maldita banda, mas lembro da primeira música que o vocalista gordinho cantou.

- Essa canção é a história de um amor impossível entre mim e minha empregada.

Glup!

- Neumaaaaaaaar, eu te amo! Neumaaaaaar!

Olhei para a Eliane que arregalou os olhos de quartzo verde. Ela olhou para mim com cara de "o-que-diabos-é-isso?"
Ai, ai, ai...

O show foi uma desgraça. Cada música pior que a outra. E o gordinho vocalista cantava mal demais. Pior que o espetáculo de horror não acabava. Parecia o show do Santana na Praça da Apoteose.

- Vamos embora? – eu convidei. Ela fez um gesto positivo com a cabeça. Eu precisava salvar a campanha.

Saímos do Rock in Rio e eu me senti aliviado. Minutos depois estávamos na imensidão do estacionamento do Barrashopping.

- Meu carro ficou um pouco longe. Você pode me dar uma carona até ele?

- Claro – como bom cavalheiro, fui abrir a porta para ela e quase fui dominado pela empolgação. Nesse instante, eu lembrei:

Quimono fedorento + aroma de peixe = inhaca terrível.

Fechei a porta.

- Melhor não. Vamos andando – falei.

Ela mesmo abriu a porta do carro e entrou. Corri para me explicar...

- Olha só, o carro está com um cheirinho ruim por acidente. Não é sempre assim. Eu juro por tudo que é mais sagrado – metralhei.

Ela não disse nada. Só abriu as janelas. Pra bom entendedor...

Paramos ao lado do carro dela. Ela ficou me olhando e eu fui para o tudo ou nada. Me estiquei todo para roubar um beijo. Meu telefone tocou como se fosse uma sirene do Corpo de Bombeiros. Pensei em não atender, mas aí ficaria feio. Pareceria que eu estava escondendo algo.

- Oi, mãe. Volto pra casa daqui a pouco. Boa noite. Beijos. Mãe, eu não estou bêbado. Beijo.

Desliguei. O que mais faltava acontecer em termos de degradação?

- Sua mãe te liga à noite? – fui humilhado pela pergunta.

- De vez em quando. Ela se preocupa comigo – só me restou a sinceridade.

Eliane riu. Eu ri também.

- Estou saindo com um garoto. Um garoto do Rio.

- Estou saindo com uma mulher linda.

De repente, como se fosse um passe de mágica, o jogo virou e todas as adversidades foram esquecidas. Consegui roubar aquele beijo e ficamos juntos por alguns meses.

Um belo dia, eu a perdi por pura negligência minha. Ela voltou para São Paulo. Em um feriado perdido, veio ao Rio para me rever. Ela estava com cabelos compridos, mas com os mesmos olhos de turmalina e aquele sorriso contagiante. Depois disso, não a vi novamente. Eliane enfrentou uma barra pesadíssima, e, apesar de toda sua valentia, não resistiu. Deixou em mim e em todos que a conheceram uma penca de histórias antológicas, e, claro, muita saudade.

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QUAL A MORAL DA HISTÓRIA,
HE-MAN?
Amiguinho, a partir dessa história, eu poderia escrever um livro sobre idiotices. Nem sei por onde começar. Bom, seja otimista, mas seja previdente. Mantenha seu carro sempre apresentável e com as mínimas condições de apresentação. Jamais esqueça itens malcheirosos no seu interior. Outra estupidez é deixar o celular ligado. Aposto que você sobrevive com seu aparelho desligado por uma hora ou duas. Para finalizar, seja lá qual for o programa, pesquise para ver qual é a da parada. Um show de death-metal não é bem o clima para roubar o primeiro beijo. Exceto se a moça for uma gótica invasora de cemitérios. Para saber mais sobre o assunto, procure a biblioteca da sua cidade. Até a próxima!