quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

Trago a pessoa amada em dois dias



Ficar preso no trânsito é um saco. Com essas monções que chegaram ao Rio, os congestionamentos se multiplicaram em escalas geométricas.

Como (ainda) não tenho um helicóptero, eu me junto à população carioca e faço mil-e-um exercícios de paciência para não cortar os pulsos durante o trânsito caótico. Um deles é imaginar coisas idiotas.

O último item da paisagem que despertou a minha imaginação foi um singelo cartaz:

"Trago a pessoa amada em três dias"

E seguia o telefone do sujeito que garantia tal feito. Alguns metros depois, vi outro cartaz:

"Trago a pessoa amada em três dias"

Outro fulano assinava o mesmo serviço. Lembrei que todos os participantes deste estranho mercado fixam o prazo do trabalho em três dias. Pensei comigo mesmo:

- Se aparece um outro cidadão que promete trazer a pessoa amada em dois dias, seria um tipo de dumping?

Glossário: Dumping é uma prática comercial, geralmente desleal e injusta, que consiste em uma ou mais empresas de um país vender seus produtos por preços extraordinariamente abaixo de seu valor justo para outro país (preço que geralmente se considera menor do que o que se cobra pelo produto dentro do país exportador), por um tempo, visando prejudicar e eliminar os fabricantes de produtos similares concorrentes no local e blá-blá-blá. Copiei e colei do wikipedia.

Outras dúvidas surgiram:

- Por que três dias? Se eu pedir a Angelina Jolie, será que rola ou o profissional devolve o meu dinheiro? Será que o modelo de negócio é semelhante ao Domino's Pizza, ou seja, "a sua pessoa amada de volta em três dias ou receba o seu dinheiro de volta"?

Tantas perguntas...

Como esses pensamentos me assaltaram logo depois do trabalho, ainda estava com a cabecinha em ritmo corporativo. Assim sendo, fiquei imaginando o processo administrativo da captura da pessoa amada:

1º Passo: O indivíduo apaixonado recorre ao pai-de-santo para recuperar ou conquistar a pessoa amada. Após avaliar o crédito do mizinfin junto ao Serasa, o pai-de-santo envia uma ordem de serviço ao caboclo, que se encontra no departamento operacional do negócio.

2º Passo: O caboclo-gerente recebe a ordem de serviço e verifica na sua equipe quem pode assumir o caso, sem quebrar o prazo dos três dias. Não pode ser um caboclo-estagiário nem um caboclo-júnior. Até definir a equipe, já se passou o primeiro dia.

3º Passo: No segundo dia, o caboclo-trazedor-de-pessoas-amadas selecionado recebe o serviço e verifica a viabilidade do trabalho. Angelina Jolie, Gisele Bündchen e similares estão fora da alçada.

4º Passo: O caboclo-trazedor-de-pessoas-amadas faz um planejamento do caso e verifica todas as diferenças e o histórico do casal. Quanto maiores as diferenças, maior é o risco do serviço não dar certo. Esta brincadeira toma o segundo dia da operação.

5º Passo: Já com o prazo em cima do laço e o caboclo-gerente perturbando no Nextel, o caboclo-trazedor-de-pessoas-amadas fica azucrinando a cabecinha da pessoa desejada. Como existe o tal do livre arbítrio, ele não pode simplesmente manipular as ações da pessoa amada. Então, ele se vira nos trinta. Cada caboclo-trazedor-de-pessoas-amadas tem o seu método. Dependendo do resultado, ele pode ser efetivado ou exonerado, tendo que passar o resto da sua existência fazendo participações especiais como assombração no "Fala que eu te escuto".

Fim do serviço.

QUAL A MORAL DA HISTÓRIA,
HE-MAN?
Amiguinho, você está se drogando? Que tipo de pensamentos absurdos vagueiam pela sua mente desequilibrada? Sabe, às vezes acredito que você precisa de ajuda psiquiátrica. Enfim, vamos ao que interessa: o sábio e vitaminado He-Man acha muito engraçado que as pessoas acreditem que tudo pode acontecer enquanto elas ficam de braços cruzados assistindo à nova temporada de "Malhação". É muito conveniente e confortável crer que todos os problemas afetivos se resolverão em rápidos três dias, graças ao caboclo-trazedor-de-pessoas-amadas. Quer saber uma coisa? Esta tal entidade está dentro de você, meu chapa. Se você não fora à luta, nada acontecerá. Amiguinho, não gaste dinheiro com bobagens. Quem quarta sempre tem! Até a próxima!!!

quarta-feira, 21 de janeiro de 2009

Esperteza de criança 3 - Morra, Ben 10, morra!

Meninos e meninas, segue uma história de Natal muito atrasada. Tem quase o mesmo enredo de "Herói de Brinquedo", aquele filme natalino dos tempos em que Schwarzenegger não era político.

Até poucos dias, eu nunca tinha ouvido falar do tal de Ben 10. Juro. Perguntando para alguns amigos que têm filhos, sobrinhos e/ou afilhados, descobri que o tal desenho é uma febre entre a molecada. Quem descobriu a influência do personagem foi a minha amiga Adelaide.

A moça não tem filhos, mas tem Juquinha, um afilhado de sete aninhos que é quase um rebento. Às vésperas do Natal, ela fez a fatídica pergunta:

- Meu amor, que presente você quer ganhar do Papai Noel?

- O boneco do Ben 10, tia - o guri nem pestanejou.

- Vamos ver se Papai Noel atende ao seu pedido, meu querido - o que Adelaide não sabia é que o tal do Ben 10 era o desejo de outros milhões de crianças. Sem esse conhecimento, a madrinha deixou para comprar o brinquedo lá pelo dia 23 de dezembro.

Com toda a tranqüilidade do mundo, Adelaide foi ao shopping. Fez outras compras e deixou o Ben 10 por último, afinal esse era barbada. Já na primeira loja, o susto.

- Moço, onde eu pego um boneco do Ben 10?

- Acabou. Só temos o Heatblast, que é do mesmo desenho. Vai?

Nas lojas seguintes, o drama foi se configurando. Todos tinham a quadrilha inteira, menos o líder:
.
- Acabou.

- Esgotado.

- Já era.

- Serve o Pokemón?

Adelaide foi sendo tomada pelo desespero. Qualquer adulto entenderia uma falta, mas o pequeno Juquinha poderia ficar traumatizado pela vida inteira. A minha amiga, muito fantasiosa, imaginava cenas bizarras:

- Papai Noel não lembrou do meu Ben 10. Buáááááá! Ele me odeia! Buáááááá! Eu sou um lixo! Buááááá! Não quero mais estudar ou ser alguém na vida. Vou me drogar! Papai Noel, seu velho miserável, filho de uma...

Adelaide era muito imaginativa...

Assim que chegou em casa, a mulher voou para a Internet e descobriu que poderia encontrar o tal boneco em uma loja, em Niterói.

Niterói, meu caro leitor, é uma pitoresca cidade vizinha ao Rio de Janeiro. O amável povo niteroiense não usa artigos após as preposições ("vou à casa de fulano" e não "do fulano") e, segundo a lenda local, a distribuição populacional é de cinco mulheres para cada homem.

Na manhã do dia 24, Adelaide se mandou para Niterói. Chegou na tal loja antes do meio-dia e a fila nos caixas já era monstruosa.

Em dezembro, qualquer loja de criança se torna uma sucursal do inferno. Você encontra pais estressados, vendedores desorientados, filas imensas, sistema dando bug, crianças gritando, crianças correndo, crianças depredando caixas, crianças chorando. Sabe o arrastão na praia de Copacabana nos anos 90?A diferença é que os meliantes eram mais calmos. Quando eu for pai, vou fazer as compras de Natal em abril!

Logo de cara, Adelaide viu alguns pequenos abraçados com a caixa do Ben 10, aquele cão danado!

Depois de muito esforço e algumas cotoveladas, ela conseguiu falar com um dos vendedores, uma menina suada, de olhos esbugalhados e coração palpitante.

- Moça, cadê o Ben 10?

A menina apontou para uma prateleira lotada de caixas. Adelaide voou e foi caçar o Ben 10, aquele desgraçado! Catou caixa por caixa e nada.

- Minha filha, o Ben 10 não está aqui. Cadê?

- Então acabou, madame.

- Como assim "acabou"?

Adelaide quase perdeu o controle. Tudo por causa do Ben 10, aquele lazarento. Pensou em roubar um dos moleques que carregava uma caixa. Chegou a tentar negociar com um deles:

- Filhinho, vamos trocar o seu boneco feio e bobo por um sensacional Max Steel? Vamos, garotinho lindo?

- Você tá maluca?

Na noite de Natal, Adelaide foi falar com Juquinha e protagonizou uma cena patética, graças ao Ben 10, aquele porco sarnento!

- Buááááá, desculpa, Juquinha. A tia não conseguiu o boneco do Ben 10. Eu sei o quanto você queria o Ben 10. Tia Adelaide é péssima. Desculpa, meu amor.

Juquinha respondeu com toda a sabedoria arquivada em sete longos anos de playstation, Internet e TV a cabo.

- Calma, tia. Era só um boneco.


QUAL A MORAL DA HISTÓRIA,
HE-MAN?

Amiguinho, seu eu não conhecesse a Tia Adelaide, eu diria que você está inventando. Bom, não está (talvez, aumentando um pouquinho, mas isso você sempre faz). Bom, você sabe por que He-Man é um sucesso entre a garotada? Por que eu não trato os pequenos como retardados. E como eu já disse antes, as crianças de hoje em dia são muito evoluídas. Veja só a Maysa (a garotinha, não a falecida cantora que virou popstar de minissérie). Ninguém tira da cabeça do He-Man que aquilo é um exterminador do futuro disfarçado de garotinha. Amiguinho, tenha cuidado com o seu aparelho celular. Eles não são à prova d'água. Até a próxima!!!



quarta-feira, 14 de janeiro de 2009

A espantosa história da menina sozinha na night carioca

Todo homem ou mulher tem aquela manhã em que acorda, se olha no espelho e é tomado por um frenesi extraordinário. Nesse momento, o menino ou menina observa a si mesmo e, em um impulso maior que a sua própria noção de realidade, dispara:

- Você é a imagem da perfeição!

Pois é, numa manhã ensolarada de sexta-feira acordei com essa impressão, como se o cara no espelho fosse pura paz e beleza.

Normalmente, eu gosto muito de mim, mas nesse dia eu me senti assustadoramente poderoso. Eu tinha a plena certeza que nem a Angelina Jolie poderia resistir a um simples olhar meu.

Passei o dia todo com essa aura de gostosura . No trabalho, em casa, nas ruas, eu caminhava como se houvesse uma trilha sonora do Barry White ao meu redor.

Saca o Peter Parker possuído pelo uniforme negro em "Homem-Aranha 3"? Era eu!

Eu não poderia descartar tamanha energia e fiz o óbvio: fui à caça naquela noite.

Com alguns amigos, o local escolhido foi um cafofo lá no Jardim Botânico. Tinha música alta, bebida, clima de sexta-feira e, principalmente, muitos alvos em potencial. Quer saber? Poderia ser até no convento das carmelitas! Nesse dia, ninguém me segurava.

Sem muita demora, o universo conspirou a favor. No meio da muvuca, um amigo encontrou um grupinho de conhecidas. Todas eram altamente flertáveis. Networking é fundamental nos dias de hoje.

Entre todas as mocinhas falantes e amistosas, escolhi a mais calada.

Mulheres inicialmente caladonas me intrigam. Elas despertam a minha curiosidade. Então, fiquei aguardando o momento certo, que nem o crocodilo que se finge de tronco esperando as zebrinhas se aproximarem para beber água.

Lá pelas tantas, ela encostou no balcão e ficou sozinha, enquanto tomava uma Pepsi Light.

Puxei assunto. Ela engatou um papo.

Conversar em ambientes barulhentos faz parte da estratégia. Você fala um pouco mais baixo e ela não ouve (a não ser que tenha super-audição). Você se aproxima, fala ao pé do ouvido e deixa o Polo Black desempenhar o seu papel afrodisíaco.

Ela disse o nome. Eu disse o meu. Ela contou que era dentista, paulista, não bebia, torcia pelo São Paulo, gostava de filmes de suspense e adorava Rio no verão.

- E o seu namorado deixou você vir ao Rio sozinha? - vamos abreviar o blá-blá-blá e ir direto ao que interessa.

- Não tenho.

- Mentira?

- Pois é.

- Como pode?

- Podendo, ora. Você tem namorada?

Lembra que eu disse que acordei irresistível? Perceba a mágica acontecendo.

- Não. Estamos empatados.

- Acabei de sair de um relacionamento. Fui casada até bem pouco tempo e terminou muito mal.

- Ele te traiu?

- Não.

- Ele te abandonou?

- Não.

- Ele era gay?

- Não.

- O que houve, então?

- Morreu - disse isso e suspirou fundo, com aquele ar de nostalgia de cortar o coração.

Ai, cacete! E agora? Nunca passei por uma saia justíssima dessas. Preciso mudar de assunto, rápido.

- Meus pêsames. Juro.

Muda de assunto, animal!

- Ele morreu quando?

Taquelpariu!

- Três meses atrás.

Muda de assunto. Esse papo está ficando mórbido demais. Daqui a pouco, você vai perguntar se ela indica a funerária.

- Errr... morreu de quê?

Urgh! Danou-se!

- Câncer - ela disse isso e deixou escapar uma lágrima. Nunca vi nada igual em toda a minha vida.

Ai, não. Por favor, não chora. Se tem uma coisa que me destrói é uma mulher chorando.

Ela chorou e eu fiquei ali sem reação. Ela me contou que tinha viajado para espairecer e encontrar a irmã, que morava no Rio. Era a primeira noite em que ia para a farra. Estava tentando retomar a vida.

Não me aproximei de mais de ninguém. Fiquei bebendo Pepsi Light com a viúva paulistinha até o fim. Ela e eu, justamente no dia em que me senti o homem mais belo do mundo.

Sabe o que é pior? Não peguei ninguém, voltei a me sentir como um cara comum logo depois e acordei consciente de que eu estive no lugar certo e na hora certa.





QUAL A MORAL DA HISTÓRIA,
HE-MAN?
Amiguinho, o Todo-Poderoso He-Man acorda com essa sensação todo santo dia. Desculpe, mas essa é a minha rotina matinal. Sabe qual o segredo? Sabe? Sabe? He-Man está de bem com ele mesmo. Faça o mesmo e você perceberá que sua vida será muito mais leve. E para fazer isso, não é preciso nem estar em forma ou ter barriga de tanquinho. O lance é se curtir, pois não vale a pena malhar que nem um condenado, não perceber resultados e ficar se lamentando depois. Gente que reclama me irrita profundamente. Amiguinho, quando receber um recado, anote. Evite confiar apenas na sua memória e a mensagem a ser passada pode ser mais importante do que você imagina. Até a próxima!

quarta-feira, 7 de janeiro de 2009

Favor não mexer com o porco

Assim como a maior parte dos endereços do Rio de Janeiro, meu lugar de trabalho fica perto de uma comunidade carente. Aliás, este termo é um eufemismo politicamente correto para a boa e velha favela, aquela onde o Capitão Nascimento aparece para "botar vagabundo no saco".

O que torna o meu local de ganha-pão diferenciado é a paisagem vista de qualquer um dos quatro cantos do prédio. Seja lá qual for o ponto cardeal, há uma favela. Para tornar tudo ainda mais emocionante, de vez em quando, uma das facções criminosas dominantes resolve invadir a comunidade vizinha ou entrar em confronto com a polícia.

Enquanto você fica acompanhando a invasão israelense à Faixa de Gaza pela CNN, eu vejo a guerra da minha janela (com vidro blindado). É o Big Brother 0800.

Mas, enquanto meu Anjo da Guarda faz hora-extra, há sempre uma história curiosa (e até engraçada) para contar.

Era uma vez...

Segundo me contaram, aconteceu há alguns anos. A van da empresa estava chegando à garagem. Subitamente, um porco atravessou a rua sem dar tempo de reação ao motorista. Dizem que o guincho do leitão, que pesava uns trinta quilos, foi ouvido pelo quarteirão inteiro. Tirando o bicho, ninguém mais se feriu.

No dia seguinte, um emissário do morro estava na recepção da empresa para tirar satisfações pelo assassinato do porco. Tadeu, o assistente social responsável pela tênue harmonia entre as comunidades e a empresa, recebeu o rapaz em sua sala.

Em bom português, a "tênue harmonia" é mantida pela política do "vocês não me perturbam e nós não perturbamos vocês". Só que dessa vez, alguém foi perturbado.

- Vão ter que pagar o porco. O comandante não gostou de terem atropelado o porco dele - o rapaz foi logo cobrando, e Tadeu percebeu que o nariz-de-tomada era o bicho de estimação do chefe da bandidagem. A negociação seria delicada.

- Fica tranqüilo. Nós assumimos a responsabilidade pelo acidente e vamos pagar pela morte do animal.

- De quanto estamos falando?

- Estamos pensando em dez cestas básicas.

- É pouco.

- Qual o seu nome?

- Jackson.

- Jackson, posso chegar a 15 cestas básicas, mas eu lhe adianto que esse porco não vale nem cinco. Você sabe quanto custa o peso da carne suína? Vai por mim. Você e o seu chefe estão saindo no lucro.

- Eu sei quanto custa a carne de porco. Mas, não é esse o problema. Vocês vão ter que pagar mais.

- Pelo porco? Tenha dó.

- Não. O bicho já deve ter virado feijoada na casa dos garis que cataram o que sobrou dele. Vocês vão ter que pagar pelo malote que tinha dentro do porco.

- Como assim?

- Sua van matou o principal meio de transporte de pó da região. Aquele porco fazia até três carregamentos por dia, e só o frete de ontem deveria custar umas cinqüenta mil pratas. Você sabe quanto tempo demora para um leitãozinho ficar daquele tamanhão? Então, vamos aumentando esse número de cestas básicas.



QUAL A MORAL DA HISTÓRIA,
HE-MAN?
Amiguinho, a moral da história de hoje não poderia ser mais clara e objetiva. Se você estiver transitando pelas cercanias de alguma comunidade do Rio de Janeiro (aquelas que aparecem na letra do "Endereço dos Bailes", e nem o Jack Bauer mete a cara), fique de olhos abertos. Se aparecer algum porco, enterre o pé no freio. Se não der tempo, prefira bater em algum poste. Aposto que o seu seguro não cobre acidente com um leitão à pururuca, recheado com outro tipo de farofa. Amiguinho, uma das formas de higiente é manter as unhas cortadas. Até a próxima!

quinta-feira, 1 de janeiro de 2009

A linguagem dos sinais

O primeiro texto de 2009...

Modéstia à parte, sou um cara otimista. Aliás, sou positivo, mas concordo com o Frejat, quando ele diz que "rir de tudo é desespero". Eu acredito que a vida pode ser muito mais fácil quando procuramos algum sinal que nos ajude ou conforte. Para exemplificar, escolhi duas histórias curtinhas (uma sobre um conhecido e outra protagonizada por mim mesmo). Estou quase me rendendo à auto-ajuda chinfrim, mas peço a sua compreensão. Hoje é o primeiro dia do ano e estou de ressaca.

O momento certo

Roberval namorava Jurema há um bom tempo. Ele estava decidido a casar, mas esbarrava em um detalhe: ele tinha um medo insano de fazer o pedido. Já havia montado 1001 mise en cenes para fazer o tal pedido milenar, mas sempre engasgava, tremia, refugava, arremetia, gaguejava, suava etc. Enfim, quando estava diante do gol, o nosso herói simplesmente não conseguia.

Nessa brincadeira, já havia perdido uma dúzia de oportunidades. Por mais que ensaiasse, na hora H, algo acontecia e Roberval tirava o time de campo. Certa vez, eles estavam no menos romântico dos programas: andar no shopping.

Por que as meninas adoram tanto shopping centers? Qual o maldito fascínio que esses lugares exercem sobre o imaginário feminino? Eu, por exemplo, sou objetivo. Sei o que quero, pesquiso em duas ou três lojas, compro e volto para casa. Simples assim. Meninas sabem mais ou menos o que querem, visitam todas as lojas (mesmo aquelas que não tem nada a ver com o desejo), experimentam todas as peças, acham que ficou ruim e voltam para casa de mãos abanando. Eu, hein!

Sentados em uma praça de alimentação, o casal beliscava um McLanche Feliz. Subitamente, Roberval percebeu que Jurema olhava fixamente uma família que passava. Era um homem, uma mulher e um bebê dorminhoco dentro de um carrinho.

- Bonito, né? - Roberval levantou a bola.

- Lindo – ela respondeu sem tirar os olhos.

- É o que eu quero para nós dois. Quer casar comigo?

Jurema foi arrancada de seus pensamentos sobre a tal família de comercial de leite Molico. Olhou para o namorado, que não estava gaguejando, tremendo ou suando frio.

- Quero muito.

Sinceramente, não sei como estão. Não eram amigos meus. Até onde fui informado, eles casaram mesmo.

O que faz tudo valer a pena.

Eu conheci Amália por acaso. Sem fazer muito esforço, fui criando uma admiração pela moça. Ela tinha um humor genial, era inteligente, sagaz, tinha longos cabelos negros e toda a gostosura possível dentro de 1,67m (aproximadamente, pois nunca medi a garota).

Amália foi conquistando meu interesse – e vice-versa. Começamos a sair, e os flertes foram dando frutos. O probleminha era a distância entre nós. Eu moro no Rio e ela em Petrópolis.

Certa vez, fui encontrá-la. Meu carro estava na oficina, e subi a serra de ônibus. Chovia horrores e fazia um frio de congelar os ossos. Dentro do ônibus, eu fiquei me questionando sobre esta nova aventura na serra.

Por que diabos estou fazendo isso? Tá chovendo pra cacete, tá frio, estou sem carro, tenho programas no Rio e ainda assim estou subindo a montanha. Onde estou com a cabeça?

Chegando à Petrópolis, o ônibus parou em frente à Casa do Alemão, lar de um dos melhores sanduíches de lingüiça do mundo. A chuva não dava trégua, mas quando a porta se abriu, percebi uma cena que parecia pinçada de um filme da Meg Ryan.

Amália estava encolhida pelo frio e pela tempestade. Ela estava molhada, mas estava lá, me esperando. Ela foi a minha primeira visão de dentro do ônibus e me fez descobrir porque eu encarei a estrada, o mau tempo e a temperatura. Raras vezes tive uma demonstração tão singela, tão espontânea e contundente, de carinho.

Pedindo licença ao He-Man, essa foi a lição que aprendi. Sempre que estou passando por algum perrengue, eu penso naquela menina linda na chuva, com frio, mas me esperando. Penso que, mesmo nos sufocos, há alguma recompensa esperando ser descoberta.


QUAL A MORAL DA HISTÓRIA,
HE-MAN?

Amiguinho, agora você vai querer assumir o meu papel de dar as lições no final das histórias? Quem lhe gabaritou a tal função? Você ainda deve estar de pileque. Enfim, sua historinha e a do Roberval tem um elo muito forte. Anote na sua agendinha dos Transformers para não esquecer: a vida sempre mostra um sinal sobre o que fazer. Não me refiro nem ao Papai do Céu, mas na forma como soluções e reconfortos estão sempre ao redor, aguardando apenas serem reconhecidos. E isso não é auto-ajuda de boteco. Amiguinho, quando você passar o reveillon na praia, tenha bom senso com as oferendas à Iemanjá. Duvido que ela goste de Sidra Cerezer.

PS.