segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

Choque de ordem

Aviso: vou falar sobre o Flamengo. Você pode desistir de continuar lendo agora. A escolha é sua. Bom, se você decidiu continuar, seja bem-vindo, ainda mais porque eu menti. Eu não vou falar diretamente do Flamengo. O time da Gávea é coadjuvante na aventura do meu amigo Procópio.

Era uma vez, 29 de junho de 2004...

Esta noite marcou um dos maiores vexames da história do Flamengo: a derrota na final da Copa do Brasil para o Santo André diante de mais de 70 mil torcedores. Pois é, o Mengo é um time superlativo até no tamanho dos seus fracassos.

Assim como eu, Procópio estava desesperado para garantir um lugar no Maracanã naquela partida. Ele não pensou duas vezes em botar uma pequena fortuna na mão de um cambista por um ingresso. Na verdade, ele e mais alguns amigos. Assim começou uma noite dos infernos.

Após o tradicional empurra-empurra monstruoso e o clássico spray de pimenta da polícia, Procópio e seus amigos conseguiram chegar às roletas do estádio. Eis que os ingressos não foram aceitos.

- Esse ingresso é falso. Não pode entrar – anunciou o segurança.

- Não é possível. Comprei na bilheteria da Gávea. Aliás, todos nós – Procópio mentiu com voz embargada.

- Deixa eu ver estes ingressos – pausa para análise. – Todos falsos. Olha os números de série. Todos iguais.

Procópio sentiu o coração explodir em desespero. O dinheiro perdido não doeu tanto quanto a possibilidade de ficar de fora daquele jogo. Dali para frente, ele poderia assumir a própria falha e sair do estádio como um homem enganado, porém maduro e honrado. Ou então, ele poderia dar um escândalo. Segunda opção.

- Isso é um absurdo. Eu vou entrar. Não saio daqui. Pode chamar a polícia.

Pois é, chamaram a polícia e Procópio ouviu o começo do jogo em um radinho na sala de espera lotada da delegacia especial do Maracanã.

Pode ficar pior? Claro que pode.

Ainda em 2004, jogo grande no Maracanã era uma aventura para os mais valentes. O entorno do estádios e as ruas próximas viravam um caos de carros engarrafados, flanelinhas, cambistas, batedores de carteiras, bêbados, vendedores ambulantes e torcedores perdidos. Deste mar de gente, muitos acabavam fazendo um pit-stop na delegacia, sob acompanhamento dos PMs fofos e treinados para o bem-estar dos torcedores. Uns lordes. Então, imagine como estava o xadrez naquela noite de Flamengo disputando uma final da Copa da Brasil.

O clima era de hospital de Pearl Harbor durante o ataque japonês. Tinha gente "apreendida" por diversas razões, gente que estava prestando queixa e gente perdida. Na muvuca, Procópio procurava achar alguém para lhe atender. Um dos muitos presentes, diplomaticamente tentou contato com o delegado.

- Tio, dá para me atender? Ainda dá para ver o segundo tempo do jogo.

Putz, as veias da testa do tio, quer dizer, do delegado saltaram.

- Tio? Tá me chamando de tio, seu animal? Tá maluco, moleque? Para você, é "senhor delegado". Volta para o seu lugar antes que eu te prenda por desacato, porra!

O sobrinho voltou ao seu lugar. Neste momento o delegado percebeu a loucura que tomava conta do ambiente e resolveu usar o seu treinamento especial para controle de crises.

- Todo mundo calado, porra! Silêncio no recinto! Muito bem. Agora, quem é preso levante a mão!

Milagrosamente, os presos levantaram as mãos algemadas. Não é que funcionou? Vai entender.

Procópio conseguiu ser atendido e usou a sua lábia e retórica de advogado. Ele conseguiu ser liberado e conduzido até às arquibancadas do Maracanã. A partida estava 0x0 e o segundo tempo estava no comecinho. Ainda dava para ver os gols do título.

Dito e feito. Assim que pisou na arquibancada, gol do Santo André. Logo depois, outro gol do Santo André. Por todos os lados, gente incrédula. Homens adultos e barbados choravam que nem crianças. Eu estava lá e chorei também. Um negão desconhecido, suado e frustrado, se apoiou no meu ombro e chorou também. A torcida é uma entidade coletiva e solidária. Todos lamentam juntos. Fenômenos do futebol? Eu boto a culpa no Procópio. Vai ter pé frio assim lá longe!

QUAL A MORAL DA HISTÓRIA,
HE-MAN?
Amiguinho, que texto imenso! Ao contrário de você, He-Man será assertivo em sua lição brilhante: nunca compre ingressos de cambistas. Esta raça maldita merece o desprezo dos torcedores! Amiguinho, não misture roupas claras e escuras na sua máquina de lavar. Até a próxima e FELIZ 2012!!!

segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

O medo da chuva

Nas últimas semanas, o Rio anda diferente, inconvenientemente cinza. Mesmo às portas do verão, a cidade ainda está com temperatura amena e chove. Na verdade, chove bastante. Agora, enquanto escrevo estas linhas, chove. Aliás, só escrevo por causa da chuva.

Era uma vez...

Na época da faculdade, eu me interessei por uma micareteira de carteirinha, daquelas que cantam as (!!!) músicas do Asa de Águia com os olhinhos fechados. Vou chamá-la de Ivete, por razões óbvias.

Na verdade, lembro pouco de Ivete. Minha memória residual se limita aos cabelos compridos, às coxas grossas e à sua coleção de shortinhos – jeans, brancos, floridos, rasgados, desfiados, estampados, coloridos, listrados, crus. Enfim, de todos os tipos. E os benditos shortinhos caíam bem com a bunda durinha de moça malhadora de 21 anos. Ah, coloquei a Ivete na minha cartinha para o Papai Noel.

Pausa para reflexão! Amigo daí do outro lado da telinha, você já reparou como os shortinhos despertam diferentes sentimentos? Namorada de shortinho incomoda. A vizinha gostosa de shortinho é legal. Pode ser a mesma peça. É uma forma divertida de ciúme.

Estrategicamente, acionei os amigos em comum e passei a frequentar os mesmos encontros sociais da Ivete. A gente conversava sobre trivialidades e ria. É o primeiro estágio da sedução: demonstrar-se interessante, aberto e compatível.

Parêntesis! Quando eu menciono "frequentar os mesmos encontros sociais", esqueça micaretas. Nem pensar! Como diz o velho amigo Dudu, "aquela alegria toda me incomoda". E eu não quero ninguém mandando eu tirar o pé do chão ou agarrar na corda do caranguejo ou dançar o rebolation. Fecha parêntesis.

Certo dia, eu estava jogando basquete e eis que aparecem Ivete e uma amiga. Caraca! Que providencial. Eu estava em forma, suado e jogando bem. Nos intervalos dos jogos, eu borrifava água no pescoço e fazia de conta que estava em um comercial do Calvin Klein.

Desculpa, outra pausa! Esta história levanta uma série de reflexões pertinentes. Vamos lá. As
outras mulheres do círculo social têm papel fundamental no processo. Acho que ter como aliadas as amigas do alvo representa 20% ou 30% da campanha. Agradar a fêmea-alfa do bando, a líder da patota, tem bônus. Segue o jogo.

Eis que começou a chover. Mais exatamente, cair uma tempestade. Corremos para um abrigo. Aliás, todos, menos Ivete, que ficou paradinha. Caminhei até ficar ao seu lado. Ela estava de olhinhos fechados e sorriso discreto. Os pingos grossos e gelados de água explodiam no seu rosto e nos seus cabelos compridos.

- Tudo bem? – perguntei.

- Não sei por que as pessoas têm medo da chuva.

- Medo de pegar gripe.

- Bobagem.

- E os relâmpagos?

- Fazem parte. Só isso.

Não falei mais nada. Fiquei ao lado dela tomando banho de chuva. Não rolou nada nesse dia. Ficou para depois. Durou pouco. Ivete sumiu e nunca mais tive notícias dela. Talvez ela ainda curta micaretas. Talvez ela ainda tenha uma coleção de shortinhos. Quem sabe? Não importa muito. Ficou a lembrança daquela tarde tempestuosa de verão. A tarde em que perdi o medo da chuva.


QUAL A MORAL DA HISTÓRIA,
HE-MAN?
Amiguinho, que fofo! O Homem mais Poderoso do Universo pode te dar um abraço? Então, hoje aprendemos uma importante lição. O nosso dia a dia é lotado de pequenos momentos especiais e significativos. O problema é que muitas vezes, focamos em problemas e acabamos perdendo ótimas oportunidades de contemplar pequenos detalhes que podem parecer tolos, mas são carregados de valor. Abra os seus olhos. Amiguinho, para prevenir gripe, tome frequentemente doses de Vitamina C, em tabletes ou em frutas como laranja ou tangerina. Até a próxima!!!

segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

A vingança de Jorge Vercilo

Ah, o final do ano, aquela época lúdica em que os corações se aquecem e o espírito da confraternização entre os povos reacende. É o tempo das cartinhas para o Papai Noel, dos presentes no dia 24, da ceia em família e até de Rodolfo, a rena do nariz vermelho. Quem não gosta do Natal? Quem? Evaristo, meu camarada dos tempos da faculdade.

Bom, Evaristo até gosta do Natal. O que ele detesta com todas as forças da sua alma é uma ação que a sua empresa realiza no mês de dezembro. Tão certo quanto show do Roberto Carlos é uma viagem que diretores, gerentes e coordenadores fazem para Angra dos Reis. Durante quatro ou cinco dias, os líderes discutem estratégias para o ano seguinte. Seria produtivo e estimulante, se não fosse por um detalhe: Jorge Vercilo.

Para fechar, o evento é encerrado com um show privado do Jorge Vecilo. Evaristo detesta Jorge Vercilo como gato odeia água gelada no cangote. Uma apresentação reservada com duas horas de show é demais para o nosso herói. E o pior que não há como fugir. Como bom ambiente corporativo, a política rola solta. Todo mundo quer ficar bem na fita. Se o chefe gosta de Jorge Vercilo, todo mundo gosta também. Em 2011, essa escrita seria mudada.

Evaristo tramou cada detalhe do plano. Pouco antes do show começar, ele entrou no salão de festas e cumprimentou os colegas. Sorriu, acenou e escolheu uma cadeira no bar, lá no fundo. Ao apagar das luzes, saiu na pontinha dos pés e foi assistir TV no seu quarto. Cronometrou o tempo e voltou antes do fim do bis. Luzes acesas e lá estava Evaristo, todo pimpão, aplaudindo de pé Jorge Vercilo. Foi o plano perfeito.

Mas, como já cantaram os Engenheiros do Havaí, planos perfeitos não deixam suspeitos. Vamos ao café da manhã do dia seguinte.

- Gostou do show? – perguntou Zenóbio, chefe do Evaristo.

- Claro. Como em todos os anos.

- Você não estava lá, não.

- Estava, sim.

- Não estava, não. Vi você saindo no comecinho.

Glup!

- Olha, Zenóbio, eu não queria confessar, mas... tive um desarranjo intestinal horroroso. Passei muito mal. Diarreia medonha.

- Foi mesmo? Desculpa. Eu não sabia disso. Deve ter sido o peixe do almoço.

- Pois é.

Vitória!!!

- Vamos cuidar disso, Evaristo. Vamos ali na ambulância tratar do seu problema.

- Não precisa. Já estou melhor. Juro. De verdade.

- Imagina. Faço questão. Vem comigo – falou já puxando Evaristo pelo braço e o conduzindo até a ambulância do hotel, local onde ficou pela manhã inteira com soro espetado na veia e uma cacetada de pílulas goela abaixo.

- Maldito Jorge Vercilo.

QUAL A MORAL DA HISTÓRIA,
HE-MAN?
Amiguinho, hoje aprendemos uma importante lição. Mentir é feio. Mentir para o chefe ou para o seu papai ou a sua mamãe é horrível. Você jamais sabe quando o destino ou o santo do Jorge Vercilo podem aprontar uma para você. Na dúvida, seja sincero e diplomático. Amiguinho, não durma com a TV ligada. Até a próxima!!!



Em homenagem ao Evaristo e ao Jorge Vercilo...