sábado, 2 de abril de 2011

Trash metal

Texto grande, mas vale a pena. Vai por mim...

Antes de embarcar para a aventura irlandesa, passei quase cinco meses trabalhando em uma campanha política em Duque de Caxias. Além de um batente intenso, visitei lugares da Baixada Fluminense que jamais imaginei que existissem. Vi muita coisa de partir o
coração, como adolescentes de 17 anos com dois filhos no colo e um terceiro na barriga. Voltei ao Brasil e, quis o destino, Duque Caxias estava novamente no meu caminho. Assumi um novo trabalho de comunicação lá. Mais maduro e calejado, eu imaginava que já tinha visto de tudo, mas nada se equivale ao aterro sanitário do Jardim Gramacho - aquele onde foi filmado o documentário "Lixo Extraordinário. Aquele que concorreu ao Oscar 2011. Lembrou?

A experiência começa antes de chegar ao aterro. As ruas têm lixo por todos os lados. Pilhas e pilhas de entulhos e gente circulando entre porcos e urubus. Crianças, velhos, homens e mulheres andavam entre caminhões imensos. Chegamos (a equipe e eu) ao aterro e fomos barrados pelos guardas locais. Educadamente, ele informou que visitas ao aterro deveriam ser agendadas. Segundo ele, era para segurança dos próprios visitantes. Enquanto argumentávamos, observei caminhões monstruosamente grandes carregados de lixo e gente. Pessoas amontoadas nas caçambas ou penduradas onde conseguissem.

Nossa entrada foi proibida. Partimos para o plano B: visitar o aterro clandestino. Entramos na favela do lixão.

Maluco, neguim não tem noção mesmo. Eu, um outro rapaz e duas meninas belas e cheirando a Dolce & Gabbana entramos na comunidade sem qualquer acompanhamento ou aviso prévio. Para que a gente virasse estatística era um estalar de dedos.

Paramos para pedir informação a um morador. O que não percebemos é que o cara estava
curtindo o seu momento com um papelote de cocaína. Trincado, o sujeiro indicou o caminho, mas pediu para termos cuidado com os elefantes roxos que estavam na rua. Achamos o tal lugar e estacionamos perto de um boteco. Ao abrir a porta, o cheiro forte do lixo veio carregado e quase vomitei. Segurei a onda. O proprietário da birosca informou que o aterro clandestino era mais adiante, mas não poderíamos ir de carro.

Pronto, agora vamos virar estatística...

Com os anjos da guarda trabalhando em força-tarefa, seguimos as vielas indicadas. No caminho, lixo por todos os lados e uma nuvem de moscas imensas. Vi umas varejeiras tão grandes que devem ter tirado brevê para voar por ali. E falando em "grande", logo adiante vimos um porco tão parrudo que parecia uma kombi.

Em meio à sujeira, um grupo de crianças brincava e ao perceber a nossa aproximação, perguntou:

- Vocês querem pó? Querem?

Ai, ai, ai... entramos na boca. Só melhora, só melhora...

Agradecemos e entramos no aterro. Até onde a vista alcançava, havia lixo, insetos e os catadores. Um senhor simpático e muito articulado nos contou mais sobre o local. Depois do filme, as visitas aumentaram e os trabalhadores aprenderam a lidar com os "turistas". O fedor do lixo não me incomodava mais, porém as moscas me deixavam apreensivo. Ao fechar os olhos, o zumbido era infernal. Meu medo era falar e engolir uma varejeira acidentalmente.

Zuuuuuuuuuuuuuuuuummmm...

As pilhas de lixo viraram montanhas. Ficamos mais dez minutos, fizemos umas fotos e voltamos. Passamos de novo pela boca e logo depois esbarramos em uma viatura da polícia. Os policiais nos encararam, mas não disseram nada. Devem ter pensado que éramos só mais alguns clientes do "comércio" da região.

O carro estava intacto e o dono do boteco se encheu de orgulho e nos deu um DVD (pirata, é claro) de "Lixo Extraordinário". Agradecemos e saímos. O lixão foi ficando para trás, com os catadores revirando as montanhas de dejetos e as crianças brincando entre as moscas e a imundície. Fomos nos afastando e aquele submundo foi ficando para trás.

Quem diria, né? Depois de meses na Europa, caí de paraquedas em um purgatório de lixo e caos. Às vezes, fecho os olhos e ouço o zumbino desgraçado das varejeiras abafando os risos das crianças correndo pelas vielas do Jardim Gramacho.

Zuuuuuuuuuuuuuuuuummmm...

QUAL A MORAL DA HISTÓRIA,
HE-MAN?
Amiguinho, é para ficar bolado mesmo. O mundo vai além da sua vizinhança bacana na Barra da Tijuca, garotão. Bom, da sua visita ao purgatório, espero que você aprenda a separar os eu lixo. Até a próxima!!!

5 comentários:

Sandro Ataliba disse...

Se todos fizessem uma visita dessas, pelo menos uma vez na vida, acho - e só acho - que o mundo estaria melhor.
Abraço

Maria disse...

"Quem diria, né? Depois de meses na Europa"... e aí um choque de realidade desses.

Acho que tanto o exílio quanto experiências como essa são o que realmente faz mudar alguma coisa aqui dentro, em relação, não à situação em si, mas às pessoas mesmo.

Agora é ver o que você vai fazer com essas informações daqui pra frente.

Sadhana disse...

Coitada das pessoas que precisam disso para sobreviver, meu coração chegou a ficar em pedaços agora... E as crianças bem inocentes, que dó!!

Você mora na barra da tijuca???
Estou indo para a barra na sexta no rio2 vc conhece??? É legal??? É a primeira vez que vou ficar no rio...

E como ficou o documentário???

Abraços Surfista

Surfista disse...

SADHANA, moro ao lado do Rio2. Me manda um email. Beijo

Juliany Alencar disse...

Nossa, fui lendo e imaginando a cena. Que triste!

Olha, quando vivo situações como essas de me deparar com pessoas que vivem uma realidade totalmente diferente da minha, fico pensando o quanto essa vida é "pequena", o quanto as pessoas perdem tempo com futilidades enquanto outras são obrigadas a passar o pão que o diabo amassou para sobreviver. É muita desiguldade!