
Por incrível que pareça, tenho uma razoável proximidade com o Japão. Nunca pisei em solo nipônico nem possuo raízes por lá, mas por acaso tenho parentes nascidos na Terra do Sol Nascente. Tudo começou quando um dos meus tios mais mulherengos foi encantado por uma baixinha de olhos puxados. Meses depois do casamento, ele fez as malas e decidiu dar um pulinho lá do outro lado do mundo. O passeio durou quase uma década e rendeu experiência, piadas, um pouco de dinheiro e duas filhas gêmeas japonesas. Meus pais são padrinhos das minhas priminhas orientais.
Assim como o meu tio galinhão, Verônika saiu do Brasil para se aventurar no arquipélago japonês. A diferença é que ela ainda está por lá. Ela e o filhote pequeno.
Era uma vez...
Verônika e mais uma cacetada de
gaijins (estrangeiros) vivem e trabalham no Japão. Na verdade, mais trabalham do que vivem, segundo contava meu tio.
Em um dia normal, nossa heroína seguiu o mesmo ritual de todo santo dia: acordar cedo, deixar o filho na escola e pegar um trem para o trabalho, um restaurante que é um retrato do mercado japonês. Para você ter uma ideia, além dela, as equipes reúnem gente da França, Itália e Alemanha. E olha que é só um restaurante.
O que iria diferenciar este dia dos outros é que Verônika teria duas experiências únicas com aquilo que a gente cisma em chamar de acaso.
Verônika estava na estação Harajuku aguardando o trem e percebeu um homem ocidental concentrado. A moça apertou os olhinhos e percebeu que ele lia um livreto. Par

ecia ser um dicionário ou um pequeno guia do país. Era um turista com a cara do Johnny Depp. O trem chegou e o rapaz sumiu na multidão, deixando a menina encantada e frustrada.
Aliás, não entendo como alguém pode ser os cornos do Johnny Depp. Observe "Piratas do Caribe", "A Fantástica Fábrica de Chocolate", "Donnie Brasco" e "Edward Mãos de Tesoura", citando poucos. O cara muda o visual com a facilidade de quem troca de roupa. Se bobear, só a mãe dele sabe como ele é originalmente.
Horas depois, já no restaurante, o acaso atuou pela primeira vez.
O coração de Verônika quase saltou pela boca quando o Johnny Depp da estação entrou pela porta da frente. Ela acompanhou seus movimentos como se estivessem em câmera lenta e tentou calcular qual a probabilidade do mesmo rapaz que a fascinou na estação entrar no seu restaurante, em uma rua repleta de opções.
Matemática nunca foi o forte de Verônika, então logo abandou os cálculos. Rapidamente, ela reuniu as colegas e foi categórica:
- Vocês estão vendo aquela mesa ali? Deixem comigo.
As cúmplices toparam e Verônika logo descobriu que ele era francês e falava um inglês todo avacalhado.
Tô pra ver um francês comum falar a língua de Shakespeare com desenvoltura e prazer. Pois é, a Guerra dos 100 anos não passou impune.
Verônika desejou receber 50 chibatadas por ter ignorado as aulas de francês da Madame Juliette, mas superou os problemas de comunicação e engrenou um papo com o Johnny Depp da estação.
- Vou ficar mais oito dias por aqui. Você não quer me mostrar a região? - ele perguntou e Verônika quase deu um salto mortal duplo carpado para trás. Sentiu o tamanho da sua alegria? Mas como era gata escaldada, ela ainda arriscou um último teste.
- Claro, posso levar o meu filho pequeno?
Não me pergunte o porquê. Pergunta para a Verônika. Diz ela que é para dar uma chance para o cara desistir.
- Sem problema – aprovadíssimo. Imediatamente, eles trocaram e-mails e telefones em um guardanapo. Ele sorriu e guardou o pedacinho de papel. Não teve iPhone, celular de última geração ou laptop wireless. Só dois pedacinhos de papel como antigamente.
Verônika tremia de excitação. Eles se falariam à noite.
Durante o dia, a brasileira trabalhou como se estivesse flutuando. Só que mesmo as atendentes flutuantes precisam comer. Verônika esqueceu de fazer qualquer refeição durante o dia. Uma das colegas percebeu e chamou a sua atenção:

- Você não comeu nada o dia inteiro. Tenho dois sanduíches de frango. Você quer um?
Neste instante, o acaso se manifestou pela segunda vez no mesmo dia.
- Claro. Por que não? - Verônika escolheu o da esquerda. Foi um gesto automático.
Algum tempo depois, ela começou a sentir fortes dores no estômago. Depois de vomitar tudo, Verônika continuou sentindo o abdômen doer como se tivesse bebido limonada com vidro picado. Correu para o hospital, onde foi imediatamente internada com o diagnóstico de infecção alimentar.
Tá pensando que tem SUS no Japão? Nada disso. Lá a parada funciona.Maior que a dor na barriga foi a dor de perder o encontro com o Johnny Depp da estação. Curiosamente, Verônika ficou hospitalizada por... oito dias.
Momento flashback
, que nem LOST: "vou ficar mais oito dias por aqui", disse o Johnny Depp, "oito dias. Oito dias. Oito dias". Vou confessar uma coisa: sempre quis escrever uma intervenção de flashback
. A-do-rei! Opa... voltemos à história de Verônika.Eles ainda trocaram alguns e-mails, mas o inglês escrito do Johnny Depp da estação era pior que os enigmas do Zodíaco, aquele lendário assassino estadunidense que nunca foi capturado. Exagerei, mas era muito ruim mesmo. Verônika ainda guarda o pedacinho de papel com o telefone e o e-mail do francês. Quem sabe ela escolha a Europa para um passeio de férias. Talvez a França, por acaso.
QUAL A MORAL DA HISTÓRIA,
HE-MAN?
Amiguinho, se eu não tivesse a onisciência quase divina, eu diria que você está vendo muito SciFi Channel ou tomando muito açaí com proteinato. Sei lá, essas coisas dão onda. Enfim, a vida é cercada por manifestações do inesperado. Quando o súbito vem temperado por coincidências espantosas, as cabecinhas humanas especulam sobre o efeito borboleta, destino, sina, sorte e até azar. Pois vou dizer uma verdade cósmica: as pessoas são emanam energia e magnetismo. De certa forma, essas forças interferem involuntariamente no seu universo particular (não no disco da Marisa Monte, amiguinho). Caraca, maluco! Essa foi a moral da história mais Arquivo X que eu já concebi. Amiguinho, entre as suas cachaçadas, beba água. O álcool desidrata. Até a próxima!!!
PS. Querida Verônika, obrigado pela história inspiradora e pelos e-mails simpáticos.