sábado, 11 de agosto de 2007

O galinha da Internet


Texto de um passado não muito distante.
Para ler ouvindo "Você não soube me amar", da Blitz, no talo.

***

Todo homem, em seu íntimo, só se completa quando é tapeado. Nelson Rodrigues sabia disso e se tornou um ícone cult nacional. Na música, Reginaldo Rossi faz questão de botar as cartas na mesa em seus shows. Em dado momento, ele interrompe o repertório e convoca a participação dos machos:

- Quem é corno que levante a o braço.

Muita gente levanta o braço e bate no peito com orgulho. Ninguém é vaiado ou ridicularizado. O fato de serem cornos os torna irmãos e o fato de serem iludidos os torna cúmplices.

Nesse aspecto, não adianta especular, supor ou inventar. Quando a questão envolve de alguma forma o universo feminino, somente elas têm a autoridade de revelar a verdade - ou nos enganar, afinal, como já disse, somos fáceis de ser ludibriados. Na arte de ser superior aos homens e ainda conquistar um fã-clube, Rafa e Marisa são duas amigas que admiro. Elas são lindas, inteligentes, gostosas, sofisticadas, engraçadas e simpáticas. Não entendem patavina de futebol, mas aí também seria querer demais. Claro que se qualquer uma delas der uma vacilada eu chego junto. Na verdade, eu rezo toda noite para que um dia as duas vacilem ao mesmo tempo, em uma noite de inverno, com um bom vinho e o Wando na vitrola.

Num desses jantares triviais onde nos reunimos para tricotar, eu fui surpreendido por uma revelação de Rafa.

- Estou gostando de um cara, mas o miserável não me liga. Saímos ontem e ele ainda não deu sinal de vida - revelou.

- E desde quando você se importa? - perguntei.

- Desde de ontem, Dô.

- Dô é o cacete - detesto essa maneira carinhosa que elas arrumaram de me chamar. Eu gosto de Domênico. É fofo, charmoso e todo mundo gosta de pronunciar. "Dô" eu não aturo.

- Você deu pra ele? - Marisa perguntou sem tirar os olhos do cardápio.

- Não, não dei. Jantamos, fomos ao apartamento dele ouvir John Coltrane e conversamos até as quatro da manhã.

- Só conversaram? - especulei já sabendo a resposta.

- Você acha que eu sou mulher de ficar apenas conversando? Eu o deixei louco, subindo pelas paredes, mas eu não dei. Gostei dele e fiquei com pena de descartá-lo hoje. Se tiver que dar, que seja em outra ocasião - Rafa bebericou sua coca light.

- Sacanagem - eu tomei as dores do cara. Homens em desvantagem às vezes se unem.

- Ele deveria ligar hoje - Rafa coçou o queixo.

- Quem é o cara? O Fê? - Marisa perguntou ainda sem tirar os olhos do cardápio.

- Não.

- Jô?

- Não.

- Lê?

- Não.

- Chris?

- Não.

- Gil?

- Não.

Cansei!

- Vocês não conhecem ninguém com mais de uma sílaba no nome?

As duas me olharam com desprezo. Falando em gelo...

- Garçom, água tônica com gelo e limão, por favor - mudei o foco.

- O nome dele é Dé - putz, outro sujeito com nome monossilábico.

- André? - perguntei.

- Deolindo.

Ai.

- Chama de Dé. É mais bonitinho.

- Rafa, onde você conheceu esse Dé? - Marisa abaixou o cardápio e decidiu participar da conversa mais efetivamente.

- Orkut.

- É mesmo? E isso rende assim? - fiquei novamente surpreso. Decidi ouvir melhor essa história.

- Rende. Nós trocamos scraps em uma comunidade de solteiros, então conversamos um tempão pelo Messenger, depois usamos a webcam, aí dei meu telefone celular e acabamos por marcar de sair.

Ah, a tecnologia a serviço dos casais.

- O cara tem bom papo?

- Marisa, se não tivesse, eu não sairia com ele.

- Mentira.

- Tá bom, ele também é gato. Mas o papo ajudou.

- Mandou foto?

- Mandou umas engraçadinhas, de perfil, olhando para o chão etc.

- Então devia ser mais feio ao vivo, certo? Homem quando se garante e não tem nada para esconder olha para a câmera de frente e ainda sorri para mostrar que tem todos os dentes.

- Pô, Marisa, ele tem todos os dentes. Mas concordo que ele é mais fotogênico do que bonito

- Eu sabia. Como ele te chamou pra sair?

- Fez um convite para uma festa de amigos dele. Coisa de noivado de um primo, sei lá. Recusei. Depois combinamos um jantar.

- Hmmmm. - quando Marisa faz "hmmmm" eu tremo.

- Que foi? - Rafa idem.

- Ele é um galinha de Internet. Não come ninguém e deve ter se assustado contigo.

- Como assim, Marisa? Ele é até bonito, inteligente, tem bom papo, é publicitário...

- Tá explicado?

- Opa! Qual o problema do Deolindo ser publicitário? - entrei no papo. Que história é essa de ficar menosprezando a classe?

- Nada pessoal, Dô. O cara tem o macete, mas fica muito na Internet. Deve gastar mais tempo de conversa mole do que agindo. Não come ninguém. Se quisesse te comer, o último lugar para o qual ele poderia te levar no primeiro encontro seria uma festa dos amigos. Sabe por quê? Muita gente para dispersar a atenção. Se ele fosse bom, chamaria você de cara para um programa a dois para deixar bem claro que ele tem a manha - Marisa explicou com o mesmo tom de voz sereno de sempre. Mesmo que ela estivesse falando um absurdo sem tamanho (o que achei não ser o caso), qualquer um acreditaria.

- Dô é o cacete - para não perder o costume.

- Você acha? - Rafa apoiou a cabeça na palma da mão direita e ficou com olhos pensativos..

- Tentou te comer no primeiro encontro? - Marisa continuou com sua teoria.

- Claro. Eu estava no apartamento dele, toda fogosa. Estranho seria se ele não tentasse. Mas eu cortei e ele gentilmente atendeu. Ficamos no amasso.

- E não te ligou?

- Nada.

- Está acostumado a ficar na seca. Vai ser difícil dele correr atrás. Esse sujeito está condicionado a dar de cara na porta. Perdeu o feeling do caçador, do batalhador.

Hmmm, instrutivo.

- Será? Vou ligar pra ele. O que você acham?

- Ele que corra atrás. Você é areia demais para o fusquinha dele - bati o martelo.

- Liga - Marisa estava de sacanagem comigo. Só podia.

- Como assim? - perguntei.

- Vai dar um susto no galinha. Será surpreendente para ele, que se encontrará do outro lado da moeda. De condutor ele passará a conduzido.

- Isso não existe. Se ela ligar, vai estar dando uma bandeira grande demais. O Deolindo vai ficar por cima da carne seca - argumentei.

- Isso é o que você pensa. Rafa vai ligar avisando que está de passagem comprada para Tóquio e só quer dar tchau. Vai contar que embarca na semana que vem. Eu prevejo duas alternativas: o cara ficará indócil e correrá atrás como nunca na vida dele ou desejará uma boa viagem e boa estadia em Tóquio.

- Aí ele assina um atestado de otário ou de boiola - só pude pensar nessa conclusão.

- Exato. A terceira possibilidade é do cara estar saindo com outra mulher e a Rafa ter sido uma aventura casual que não deu no primeiro encontro e foi descartada.

- Essa é bem possível - Rafa prefere ser "corna" do que admitir que saiu com um otário.

- Aí o Deolindo sai por cima - defendi o companheiro de calças.

- É a única chance dele. Vou pedir uma massa. Você recomenda alguma daqui, Dô?

- Dô é o cacete. O ravióli é ótimo.

Mulher quando se organiza se torna um ser muito cruel. Deolindo está numa enrascada sem tamanho.
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***
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"Rafa", "Marisa", obrigado por essa história. Espero ouvir outras aventuras.

2 comentários:

Carla disse...

Essa eu adoro!! Lembra que uma vez eu até te pedi pra me mandar por e-mail? Hehehe!

Jongleuse disse...

Acho que devia ter lido esse post antes... ;-)