
Desde então, Jack Bauer virou um camarada de madrugadas insones.
- Só mais um episódio...
E quando eu percebia, o relógio já marcava 4 da manhã. Eu, Jack Bauer, Tony Almeida, Nina Meyers e a horda de terroristas que ameaçam a american way of life.
O agente da CTU que resgatou a carreira do Kiefer Sutherland foi a melhor representação do herói estadunidense pós-11 de Setembro. O cara é um líder carismático, persistente, obstinado e sem a menor consideração pelo Protocolo de Kyoto. Ao mesmo tempo, suas medidas brutais trazem consequências igualmente devastadoras.
Este é ponto fascinante da mitologia de "24 Horas": ninguém está seguro. Para cada vitória, há uma ou duas penalidades, que custam dezenas (ou centenas) de mortos. Muitas vezes, a lista de falecidos e mutilados envolve sua família, seus amigos, seus entes queridos, seus aliados, seus parceiros de trabalho, suas namoradas e quem mais estiver por perto. Para piorar, às vezes, ele é o assassino ou torturador das pessoas queridas. O sujeito é um ogro!
Quando parei para pensar em como me viciei pelo seriado, fiquei com um tiquinho de medo – de mim mesmo. Quando eu era adolescente, eu devorava os gibis do Homem-Aranha, o CDF que salvava o dia, mas não conseguia conquistar a Mary Jane, e tinha que se virar para pagar o aluguel. Eu me identificava com ele. Acho que Peter Parker ajudou muito na construção da minha personalidade.
Anos depois, o herói de uma geração é o maluco agente do governo. Jack não tem a nobreza dos heróis que vestem collants coloridos. Ele não é o bom filho nem o bom pai que acredita que "grandes poderes trazem grandes responsabilidades". O seu mote é o "custe o que custar".
O mundo de hoje anda muito estranho.
No fundo, acho que fomos crianças nascidas no olho do furacão e somos adultos muito paranóicos. Sim, eu e você. Não se faça de desentendido. Nossa geração perdeu a inocência de acreditar nas invenções do McGuyver, nas presepadas do Magnum, nas aventuras do Esquadrão Classe A, na fé de Mulder e Scully e até na beleza das Panteras. Farrah Fawcett morreu e levou consigo a sensação de imortalidade dos heróis da telinha.
Digníssimo leitor, se você acha que o Magnum é um picolé de chocolate, vou me sentir uma peça de museu.
Hoje em dia, a banda toca de outra maneira. A gente gosta é de ver o Jack Bauer esculachando os terroristas árabes, o Dexter barbarizando outros assassinos, Capitão Nascimento botando vagabundo no saco e o mundo cão de "Law & Order: SVU".
Ursinho Pooh é o cacete! Capitão Planeta é o escambau! Dadinho é o c@#$%! Meu nome é Zé Pequeno, p$%&!
Isso não te dá um certo medo também? Como escreveu o compositor caipira, "abre porteira, que eu quero entrar. Cidade grande, me faz chorar".
Ah, a vantagem de ser fã de "24 Horas" é um certo alívio em saber que há alguém com um cotidiano mais estressante que o meu.

HE-MAN?
Amiguinho, você anda meio esquisitão. Deixa o Jack Bauer, o primo nervoso do Jairo Bauer, em paz. Vou te reconfortar. Os heróis citados foram criados na redoma do politicamente correto. Era um mundinho de faz de conta em que ninguém sangrava ou sofria. O século XXI não atura mais essas hipocrisias. É impossível esconder as nossas mazelas A arte passou a imitar a vida e mostrar que a vida não é esse algodão-doce todo. A dor da descoberta é assim mesmo. Fica relax e vai ver a quinta temporada de "24 Horas". Amiguinho, saiba lidar com os seus próprios limites. Até a próxima!!!
PS: Magnum, o detetive número 1 do Havaí, foi o personagem que lançou o bigodudo Tom Selleck. Você não sabe quem é Tom Selleck? Danou-se!
PPS: Ok, ok... eis o detetive Thomas Sullivan, vulgo Magnum, em sua primeira temporada.
