quarta-feira, 3 de setembro de 2008

O baile do diabo

Quando era moleque, cansei de ouvir minha mãe cortar minhas asinhas quando eu bem tentava cair na noite:

- Nem pensar. Quando crescer, você poderá sair quantas vezes quiser.

Sem muita escolha, o jeito foi esperar até os dezessete. Com "quase-dezoito" já rolava uma negociação mais aberta e o atestado de confiança veio no dia em que ganhei a chave de casa. Naquele momento, eu poderia exercer plenamente o meu direito de ir e vir.

Ê, mundão sem porteira, se segura que eu tô chegando!

Não lembro bem da minha primeira folia noturna, mas Evaldo nunca esqueceu da sua estréia em bailes de carnaval. Distante dos tempos de micaretas, abadás em Salvador, trios elétricos e outras modernidades, a obsessão era os bailes noturnos do Rio de Janeiro. Quando a gente, na flor da molequice, pensava nesses eventos, a primeira imagem que vinha à mente era das transmissões ao vivo da Rede Manchete.

Muitos do leitores nem sabem o que foi a Rede Manchete... Putz, estou virando um fóssil.

Nessas folias, Otávio Mesquita, Rogéria e outros aspirantes a repórteres de segunda percorriam os salões animadíssimos do Rio. Muitas mulheres peladas circulavam pelo ambiente com birita até o talo. Os marmanjos até podiam tirar uma casquinha, enquanto sorriam para a câmera da Manchete e mandavam um beijinho para a mamãe.

Evaldo, amigo meu, e mais três comparsas souberam que Otávio Mesquita e a TV iriam dar as caras no famigerado Baile do Diabo, no América F.C. Ao saberem desse notícia, a equação foi óbvia:

Evandro Mesquita e TV Manchete + Baile do Diabo = Mulherada soltinha.

Com 18 anos recém-completos, Evaldo e sues bluecaps compraram ingressos para o baile com as intenções sórdidas de passar a mão em, pelo menos, uns quinze peitinhos e doze bundas. No dia D, eles estavam indóceis e ávidos para cair na folia do simpático clube do América, lá na Tijuca. Chegaram até a avisar aos amigos e pedir que gravassem o programa noturno, pois eles iriam fazer história no Baile do Diabo.

Momento informativo cultural: O América é o segundo time de todo carioca. Talvez seja como o Juventus, em São Paulo.

Chegando lá, a impressão foi boa: movimento na porta e a bandinha castigando "Cidade Maravilhosa" lá dentro. Nem sinal da TV Manchete.

Entraram e subiram as escadarias aos atropelos, como se fossem gnus estabanados fugindo de algum leopardo. O alvo era o salão, de onde a banda arregaçava o refrão de "A Turma do Funil", um excelente presságio.

"Chegou a turma do funil
Todo mundo bebe
Mas ninguém dorme no ponto
Aí, aí, ninguém dorme no ponto
Nós é que bebemos e eles que ficam tontos"


A tropa arisca adentrou o salão e foi tomada por um misto de pânico e surpresa. Uma multidão de casais quarentões sambava e jogava nuvens de confete para o teto. Evaldo foi possuído pelo medo de esbarrar com seus pais brincando no trenzinho que cortava a massa de meia-idade.

- Evaldo, cadê a putaria? – perguntou o primeiro comparsa, já sentindo que a vaca estava rumando, lépida e carnavalesca, para o brejo.

- Calma, daqui a pouco melhora. A Manchete deve estar chegando e as gostosas sairão da toca - Evaldo tentou acalmar o pelotão.

Foram beber para relaxar e, de quebra, fazer valer a maioridade. O tempo passava e o cenário não mudava. Lá pelas tantas, Evaldo decidiu tentar a sorte com uma colombina que tinha menos de 40 primaveras (e 80 quilos). Chegou junto com uma latinha de Kaizer na mão e muito amor no coração. Como a moçoila também já estava para lá de Marrakesh, não foi preciso argumentar muito. Em sua estréia no carnaval noturno, o rapaz deu umas bitocas e ainda passou a mão em uns peitinhos. O approach foi considerado uma vitória. Em poucos minutos, abandonou a presa e partiu para a outra.

Em dado momento da madrugada, um dos amigos de Evaldo percebeu uma luz forte e uma movimentação estranha. Era a Rogéria e a comitiva da Rede Manchete. Atravessaram o salão com um índice olímpico inferior ao tempo do Usain Bolt. A entrevistada sorridente era justamente a colombina que caiu na lábia de Evaldo momentos antes. Cheio de si, ele fez questão que os camaradas vissem que a sua caça estava em rede nacional.

- Colombina, você é muito bonita - Rogéria berrou no microfone e no ouvido da mulher.

- Obrigada – a foliã berrou de volta. O diálogo seguiu aos gritos, mais ou menos, assim:

- Você está vindo de onde, gostosona?

- De Nova Iguaçu.

- E qual a sua graça?

- Sheila.

- Sheila?

- É.

- Bofe, diz a sua graça de verdade.

- É Xorxe - o nome era Jorge, mas a pronúncia da colombina foi essa. Assim, ela tratava-se de uma pioneira na língua do X.

EPÍLOGO:

Evaldo jurou que só deu um estalinho, mas foi sacaneado por anos a fio. Para a sorte dele, ninguém gravou o programa. O Baile do Diabo nunca mais foi visto com os mesmos olhos.
.
.

QUAL A MORAL DA HISTÓRIA,
HE-MAN?

Amiguinho, a moral será rápida e rasteira: não se deve acreditar nesses programas de carnaval. He-Man, macaco velho dos carnavais de Etérnia, sabe muito bem que aqueles peitos nus que balançam nos bailes dos Scalas são armações da produção. Depois que a criança descobre que Papai Noel, a queda do mito do baile de carnaval é a segunda grande revelação em sua vida. Vivendo e aprendendo. Amiguinho, quando torcer o seu pezinho, aplique uma bolsa de gelo na área dolorida. Se as dores persistirem, procure um médico imediatamente. Até a próxima!!!

19 comentários:

Pedro Favaro disse...

AUHAUHAUHAUHAUHAUH

Todo mundo sonha com aquela baixaria sem limites. Heheheh
Pior eu que morava longe do Rio, imaginava a cidade um oásis de sexo selvagem e sem compromisso nessa época do ano.

Thais disse...

Olha, de-verdade-pode-crer que sou uma pessoa que não zoa da cara alheia.. Mas nesse CASO eu ñ resistiria.. hahahahahahahahahahaha

Anônimo disse...

Sensacional! Mas é curioso como essas histórias de moleques afoitos se repetem em todos os cantos. Já ouvi várias, mas minha memória não é tão boa como a sua.

Juliany Alencar disse...

Surfista, primeiramente, obrigada pelo elogio aos meus textos. Vou dar um intervalo entre as postagens. rsrsrs
Agora, pode ficar tranqüilo que você não é um fóssil. Eu tenho 23 anos e me lembro exatamente dessas transmissões. Aliás, não só lembro, como fiz meu trabalho de conclusão de curso sobre a extinta TV Manchete. Só nunca sonhei em ir a um baile no Scala.

Beijos

Anônimo disse...

Surfista é a tal da culpa que insistem em colocar na Cachaça... um amigo meu tb já beijou um ser que parecia e muito (diz ele) ser mulher. Pra mim na verdade tem uns homens que não importa se tem qualidade, querem mesmo só a quantidade, aí vêm uma unha pintada, uns peitinhos e caem matando... enfim.
Bjão e boa semana *)

Bárbara Pereira disse...

Surfista,

eu não só sei o que foi a TV Manchete como pedi estágio lá...rs Ah, a idade!!!
Bem, quanto aos meninos em questão, só tenho uma coisa a dizer: Bem feito!!! Malandro quando não dá pra ser malandro vira mané. Me diz se vc conhece alguma adolescente que beijou outra menina pensando que era menino?

Abraços,

Lívia disse...

Hahahaha! Muito boa a história! O melhor é que a mulher da Manchete olhou e sabia que era traveco, e o Evaldo nem pegando percebeu!

bjs

Anônimo disse...

Como bem dizia minha avó:quem nunca como mel, qdo come se lambuza. Este foi o caso do Evaldo!!! Mas na verdade, nessa fase todos nós pagamos muito micos, kkk.
Interessante como as aspirações dos garotos são , nesse aspecto, diferentes das aspirações das garotas. Nunca ouvi falar q bailes desse gênero fosse o sonho de nenhuma menina.
Outro aspecto é q aqui pelo nordeste esses bailes tb ñ existiram, bem ñ q eu tenha conhecimento.
Vivas as diferenças!!!

Anônimo disse...

Como bem dizia minha avó:quem nunca como mel, qdo come se lambuza. Este foi o caso do Evaldo!!! Mas na verdade, nessa fase todos nós pagamos muito micos, kkk.
Interessante como as aspirações dos garotos são , nesse aspecto, diferentes das aspirações das garotas. Nunca ouvi falar q bailes desse gênero fosse o sonho de nenhuma menina.
Outro aspecto é q aqui pelo nordeste esses bailes tb ñ existiram, bem ñ q eu tenha conhecimento.
Vivas as diferenças!!!

Lisa disse...

Tb por isso é bom ser mulher. Não tem essa obrigatoriedade de pegar pra se sentir gostosa, basta recusar.. bem mais fácil e menos expositivo ! Esse post me lembrou um carnaval que fui em Laguna - qdo eu era solteira mil anos atras... Nossa era uma baixaria desmedida. Nunca mais voltei. Sabe quando a coisa é tanta que até assusta? Pois é...eleva ao quadrado. Era terra de ninguém.

Renata Victal disse...

A-DO-REI !!!!!!!!! Sensacional !!! Quero muito conhecer este seu amigo. bjs

Anônimo disse...

Mais um benefício da lei seca: evitar de pegar gato por lebre.

www.balzacsemprozac.blogspot.com

Dani Amorim disse...

Num congresso de Fisioterapia inventaram p um colega que ele tinha se agarrado c um traveco numa PARADA DE ÕINBS hahahahhaha. Ele, bebo cego, ficou aflito por um bom tempo...
O conselho do He-Man deveria ter sido: Amiguinhos, ao beber desvairadamente certifique-se se está em compainhas confiáveis.

Ainda sobre o conselho do He-Man:
ao torcer o tornozelo use bolsa de gelo por 20min a cada 3h, e nao eh so dar uma encostadinha no gelo nao, tem q deixar lá. Evite descarga de peso sobre o membro (opa!) e procure um profissional, seus ligamentos podem ter se esgarçado tal qual elástico velho e precisa de um bom acompanhamento profissional :D

Unknown disse...

Muito bom Surfista, realmente os bailes do scala permeavam os sonhos de todos os adolescentes de uma geração, a impressão era de uma sacnanagem generalizada...
Uma pergunta: O Edvaldo se recuperou do trauma?

Anônimo disse...

Evaldo é, por acaso, assim só por acaso mesmo, um pseudónimo seu? kkkkk

Surfista disse...

PEDRO FAVARO, pois é, todo mundo pensava nisso e o choque com a realidade era cruel.

THAIS, fez bem! Ninguém resistiria.

MARIA, essas histórias se multiplicam. Todo mundo conhece uma parecida.

MULHERZINHA, ainda bem que você lembra. Às vezes, eu acho que a Manchete está para minha geração como a Tupi está para a dos meus pais.

MULEKA e CONTORCIONISTA, olha, já vi muita gente fazer barbaridades com a cara limpa. Acho que a birita não é uma desculpa convincente,

LIVIA, pelo visto, você não via a Manchete. A Rogéria sacou a identidade da boneca porque tem amplo conhecimento de causa.

ANDREA, meninas têm outras ambições. Meninos querem é sacanagem mesmo.

LISA, as mulheres não tem esse desejo louco. Algumas até gostam do riscado, mas não têm o mesmo desespero masculino - ainda mais na casa dos 18 anos.

RENATA, você não conhece o Evaldo, mas conhece um dos meninos do grupo.

DANI, mandou muito bem! He-Man ficou de queixo escancarado.

POTIRA, resolveu voltar! Beleza! Não sei se ele superou o perrengue ou resolveu seguir carreira.

TINK, já escrevi histórias em terceira pessoa nas quais o personagem era eu. Fiz apenas como recurso narrativo e liberdade poética. Também já contei vexames antológicos assumindo a autoria. Nesse caso, minha ficha está limpa - graças ao bom Deus. De qualquer forma, achei sua dúvida espetacular.

Sofia disse...

hahauauaha
Ahh mas todo mundo tem esses desejos néh surfistinha!? Eu quando mais nova também era doida pra sair com minhas primas nas festas. Quando comecei a sair de repente me perguntei...É isso? afff
Foi decepção enorme...
Pior que quando descobri que a vovó mafalda era homem...
Crianças vai entendê-las! =\

Abração

Sofia Fresca

Unknown disse...

Querido, confesso que quando terminei de ler a história do Evaldo, me veio a mesma dúvida que Tink teve..rs
Agora me tira uma outra dúvida... se vc está virando um fóssil e é mais novo que eu, no estou me tornando?
Dependendo da resposta eu prefiro nem saber..rs
Beijocas!

Anônimo disse...

Obrigado pela informação ...me fez economizar um boa grana que seria investida em bailes ....

sinto o mesmo que senti qndo tinha 4 anos e descobri que papai noel não existia !!

aahhh....os 18 anos....

HAUSHUASHAUHASUSAHUASHASASHAUHASUSAHUASHASASHAUHASUSAHUASHASASHAUHASUS