sábado, 11 de julho de 2009

A noite em que beijei o meu primeiro amor

O dia em que beijei o meu primeiro amor foi esquisito. Aliás, o beijo foi esquisito. O dia foi legal. Foi estranho, porque não houve qualquer romantismo ou magia. Juro que não ouvi as trombetas dos anjos ou borboletas no estômago. Só lembro do frio da serra e do gosto de cigarro. Ficamos grandinhos e a nossa inocência foi para o beleléu.

Conheci Leocádia aos 10 anos e foi quase amor à primeira vista. Ela tinha 13 anos, morava na mesma rua e estudava no mesmo colégio. Para aumentar o fascínio, ela me fazia companhia nas manhãs glaciais de Petrópolis. Quando não íamos de ônibus, nossos pais revezavam a carona. Um dia minha mãe levava. No dia seguinte, o pai dela assumia a função. O engraçado era que ela quase sempre atrasava. Mamãe resmungava, mas eu adorava vê-la chegando esbaforida. A cada perda de horário, eu me apaixonava mais.

Não acredito em amor à primeira vista. Nunca acreditei. Fazer o quê?

Na volta para casa, parávamos no Bob's para tomar um milk shake de ovomaltine. Às vezes, eu deixava de lanchar no recreio para ter dinheiro e tomar aquele milk shake com ela. Com o tempo, eu a amava mais do que podia conceber. E olha que aos 10 anos, a imaginação pode fantasiar amores colossais.

Cometi o erro de virar um coleguinha. Leocádia e eu viramos bons amigos: eu, o pirralho, e ela, a musa da minha rua. Jogávamos War, Jogo da Vida, baralho e vôlei. Até tentei tocar violão para fazer dueto com a menina. O tempo passou e chegou o inevitável segundo grau. As tardes de jogos foram diminuindo até cessarem de vez. O mesmo aconteceu com as caronas. Crescemos e nos afastamos. Natural.

Anos depois, eu a reencontrei na mesma rua da nossa infância. Leocádia era uma dentista recém-formada e eu ainda estava cursando a faculdade de publicidade.

Leocádia estava deslumbrante, mas não era mais a garotinha de outros tempos. Saímos em grupo e a inocência se dissipou na fumaça azulada do Free Light.

- Quer um cigarro?

- Obrigado. Eu não fumo.

- Te incomoda?

- Só em ambientes fechados.

Estávamos sob a noite estrelada de Itaipava. Fazia frio e ventava muito, enquanto relembrávamos a nossa infância, as partidas de War que nunca acabaram, a turma que cresceu e outras recordações que brotam nesses reencontros. Leocádia ainda tinha os olhos lindos de outros tempos.

Pensei em revelar que ela foi o meu primeiro amor, mas segurei a verdade. Decidi contar apenas no momento certo. Justamente para dar mais dramaticidade à revelação. Coisa de garoto, sabe?

- Você se tornou uma mulher linda, sabia?

- Obrigada.

- Vou agarrar você.

- Espera eu terminar o cigarro, tá?

Esperei. Ela sorriu e finalmente rolou o beijo que sonhei tanto aos 10 anos de idade. O beijo que ensaiei na costa da mão. O beijo que deveria me encher de borboletas no estômago.

Peraí, cadê as borboletas? Nada. Nem uma mísera borboletinha safada.

Não revelei o tal primeiro amor. Nunca houve a cena de filme ou o momento dramático para valorizar a declaração. A verdade ficou guardada em algum caderno da escola, entre as lições de gramática e as redações. Tal verdade não combinaria com as aulas de matemática.

QUAL A MORAL DA HISTÓRIA,
HE-MAN?
Amiguinho, que revelação bonita. Aliás, você anda nostálgico. Está com a síndrome de Peter Pan aflorada, não? ´Bom, o caso do beijo e a mudança da Leocádia, você teve uma revelação importante sobre a imagem real e a imagem projetada. Muitas vezes, nossa percepção do verídico fica deturpada por algum sentimo: carinho, raiva, rancor etc. Quando a realidade ganha cores vivas, pode acontecer o que você sentiu na pele. E vamos parando com essa presepada de borboletas no estômago. Amiguinho, saiba dizer não quando necessário. Nem sempre, você poderá agradar à todos. Até a próxima!!!

14 comentários:

Rui Santos disse...

Que bom que você superou, cara (acho)...=P
eu tive meus amores platônicos de infância, uma delas ainda é mesmo deslumbrante, como a sua Leocádia...mas os tempos são outros e hoje eu vivo um amor correspondido... ;)
Abraço Surfista!

Anônimo disse...

A expectativa é sempre maior que a realidade. Já notou isto?
Imagino que lindo vc aos 10 anos superapaixonado rs...

bjs,
Mari

Pedro Favaro disse...

A realidade cinza n se compara com as cores da imaginação.
Last Kiss... filmão! Zach Braff comanda

Nanda Albuquerque disse...

Oi Surfista,

Caramboleta, não sabia que vc era de Petrópolis, eu tbém sou, apesar de morar em BH agora. Garanto que vc estudou ou no São Vicente ou no Aplicação (ou talvez eu seja beeem mais velha que vc). Acho muito legal essa globalização... sabia que já descobri que a Roberta ia ao mesmo casamento que os meus pais, em São Paulo? Tem até foto deles se conhecendo, hahaha.

bêê tóó

Navegante disse...

Interessante como na nossa aborrecência fazemos uma infinidade de teorias mirabolantes a respeito das mulheres e quando vemos anos depois não é nada daquilo. Mas muitas vezes, a realidade é muito mais mirabolante - e por isso mesmo mais legal :)

Tenho sorte de ter ficado muito amigo da menina em quem dei meu primeiro beijo, apesar de todas as fofocas que rolaram depois ainda na escola

JUJUbildes disse...

Que legal que com vc rolou o beijo com o primeiro amor! O meu sempre permaneceu platônico! Rs...
Bjos!

Anônimo disse...

Muito legal da sua parte contar essa história,normalmente homens não costumam falar desse tipo de sentimentos.Isso pode parecer infantil mas é a pura realidade,sempre idealizamos alguem que admiramos e fazemos dessas pessoas verdadeiros ídolos em nossas vidas,por fim ela é tão normal quanto nós.

Bjos estou adorando seu site

FaByY

Contorcionista disse...

Linda estória de amor. Me fez lembrar o filme "Amor em tempos de cólera". Já viu?
Infelizmente a expectativa não corresponde com a realidade, mas pelo menos vc tirou a dúvida e vai poder dormir sossegado.

www.balzacsemprozac.blogspot.com

Sunflower disse...

A história do meu primeiro beijo.

Fui, furtei, fugi.

Surfista disse...

Mais uma vez, o tempo joga contra e não consigo publicar novidades. Raios!

RUINALDINHO, não foi algo que merecesse ser "superaaaado". Foi apenas um imagem idealizada que, finalmente, ganhou a real identidade. Aproveite o seu amor correspondido. Você tem um tesouro.

MARI, todo garotinho fica engraçado com suas paixõezinhas.

FAVARO, excelente comentário. É bem por aí.

NANDA, na verdade, não sou de Petrópolis. Venho de muito mais longe, mas morei na serra por um bom tempo e fui aluno do Werneck. Bons tempos.

DUDU, a adolescência tem esses contornos de sonho mesmo.

JUJUBILDES, não se lamente. Vai que a realidade cruel atropelasse todas as suas expectativas. Mantenha a imagem do "primeiro amor".

FABYY, obrigado! Volta sempre.

CONTORCIONISTA, exato. Durmo tranquilão.

SUNFLOWER, história curtinha essa sua. Beijo!

Gente, espero voltar a escrever o quanto antes! Dessa vez, não é falta de inspiração. É tempo - ou a falta dele.

Anônimo disse...

Grande Surfista,

Bons tempos. Muito bons mesmo.

Leocádia e suas irmãs deram trabalho e partiram corações!

Aquela rua era uma ilha da fantasia.

Nossas experiências de vida mais genuínas estão representadas em cada paralelepípedo daquela rua.

Obrigado pela viagem no tempo.

O Noivo.

Anônimo disse...

Continuando...

O lance é que o seu primeiro beijo não foi com a Leocádia.

Imagina se tivesse sido... Provavelmente teria sido inesquecível.

Enfim... nunca saberá.

Abs.

O Noivo.

Surfista disse...

NOIVO, éramos felizes e sabíamos.

princess disse...

Ganhei!
minha estória com o marinheiro é muito mais romântica ;)
hehehehe