domingo, 3 de julho de 2011

O mito do melhor amigo

Não acredito nesta história de “melhor amigo”, pois acho que isso é apenas uma invenção estadunidense para temperar filmes adolescentes. Acredito mais na lógica dos “grandes amigos”, aqueles que surgem em momentos importantes e se tornam especiais por alguma bela razão. Como exemplo, vou citar o caso de Nuno, camarada dos tempos do 3º ano.

Bom, naquele tempo, bullying era uma palavra que eu nunca tinha ouvido, mas já conhecia muito bem. Assim como hoje em dia, era difícil tirar notas boas, usar óculos e ser magrinho – o CDF clássico. Além de não pegar ninguém, minha moral estava mais baixa que barriga de cobra. Na maioria das vezes, eu não levava desaforo e acaba revidando as afrontas. Quase sempre, eu apanhava. Eu era todo errado e estava fadado a sair do colégio com a faixa de panaca atravessada no peito. Só que o destino, sempre muito brincalhão, botou o “cara popular” no meu caminho – heterossexualmente falando.

Nuno era um ano mais velho que a garotada da turma, era boa pinta e mandava bem nos esportes. Se fosse uma high school, ele seria um daqueles caras que usam uma jaqueta com número e iniciais da escola. Só que o sujeito era um brutamontes especialmente bacana e calhou de sentar na carteira ao lado da minha. Achei que seria mais um a me enfiar uns tabefes na nuca, esconder a minha mochila e botar as digitais nos meus óculos.

Olha, saiba de uma coisa. Para um indivíduo que usa óculos, poucas
coisas na vida são mais odiosas que alguém enfiar os polegares nas lentes. Da vontade de cometer um homicídio doloso no miserável que faz isso.

Nuno virou meu amigo e fez o meu popularômetro subir consideravelmente. Mais do que isso, foi ele foi o cidadão que me apresentou ao jiu-jitsu. Comprei um quimono Atama e entrei na rotina de treinos. Não é que eu peguei gosto pela coisa?

Em poucos dias, já estava atropelando os outros novatos. Em algumas semanas, eu já dava um calor nos garotos mais graduados. Desenvolvi até um corpo maneiro com rapidez. Para ficar mais adequado ao “brucutu-way-of-life”, raspei a cabeça e comecei a usar camisas de artes marciais. Sim, eu fiz isso. E quando eu ia para as aulas com hematomas no rosto, era a glória.

Bullying? Nunca mais passei por qualquer perrengue. Conquistei o respeito da tropa e consegui até pegar uma ou outra menina da escola. Papai do Céu me botou no sufoco durante todo o período escolar, mas reservou uma vaga em um hotel 5 estrelas no meu último ano.

Nuno foi como um Senhor Miyagi na minha fase pré-vestibular. Depois do colégio, a gente perdeu o contato. Nos reencontramos em poucos eventos da velha turma da escola. Ele parou com o jiu-jitsu e se formou em odontologia. Eu continuei e ainda é o meu esporte favorito, o que me deixa mais feliz. Não raspo mais a cabeça e se tiver que usar uma camisa de lutas, eu visto uma da luta contra o câncer de mama.

Há uns quatro anos, a galera do colégio me contou que Nuno estava com câncer e o caso era sério. Trocamos alguns e-mails, nos quais ele dizia que tudo estava bem, que ele iria passar por tudo numa boa. Em março de 2011, me deram a notícia que ele não tinha resistido. Morreu novo, aos 33 anos, sem filhos ou casamento. Demorei para escrever sobre este assunto, pois não queria contar uma história triste. Nuno não era um cara que combine com memórias melancólicas. Ele foi o melhor amigo em um tempono qual os jiu-jiteiros e os roqueiros Iron Maiden matavam aulas juntos para beber vodka às 9 horas da manhã.


QUAL A MORAL DA HISTÓRIA,
HE-MAN?
Amiguinho, muito já se disse ou escreveu sobre o "amigo". De Shakespeare a Didi Mocó, falar sobre os camaradas sempre rendeu pauta. Dentre todas as citações, fico com uma do filósofo Humberto Gessinger, o Engenheiro do Havaí. Segundo ele, "amigo é aquele que você pode abrir a porta de casa vestindo pijamas". Faz sentido. Amiguinho, não seja trapaceiro quando jogar cartas. Até a próxima!!!

7 comentários:

Thaís Alves disse...

E a sorte é que esse lance de amizade independe mesmo de tempo, distância, estado civil, e até mesmo vida ou morte. Se existe mesmo alma, é lá que ela fica, e permanece com a gente. beijos!

Sandro Ataliba disse...

Assino embaixo sua definição de amizade, e o complemento de minha esposa aí acima (Thaís Alves).
Abraço

Maria disse...

"boa pinta" é um elogio muito heterosexual, rs, ele era LINDO!

nunca fomos próximos mas ele era um cara nota 10.

você é um cara de sorte ;)

Surfista disse...

MARIA, você também o conheceu? Não sabia dessa. "Nuno" foi uma figura da melhor qualidade.

Navegante disse...

Nossa, sensacional o causo!

Eu infelizmente não tive a sorte de ter um Miyagi nos meus tempos de escola, mas com o suor da equipe de remo consegui alguma coisa no terceiro ano, aos 47 do segundo tempo.

E muito legal o seu exemplo de amizade. Perdi um colega de colégio muito antes da hora também, a sensação é horrível. Mas tanto esse meu amigo quanto o "Nuno" cumpriram seus papéis - nem que fosse passar uma mensagem positiva para os que ficaram (ou salvar losers como nós da desgraça completa)

Camilla disse...

=D Um viva aos grandes amigos!

Juliany Alencar disse...

Nossa, meu olho encheu d'água com essa história.

Eu tenha uma grande amiga. Nós estudamos juntas do maternal até a 8ª série. Há uns dois anos e meio ela vive na Noruega, porém parece que ela continua aqui. Me conta tudo da vida dela e eu da minha e a distância parece não existir. Eu digo que ela é a irmã que eu não tive.