sexta-feira, 16 de abril de 2010

Liga retrô

Muita gente tem pavor de ser chamada de saudosista. Verdadeiro pânico. Eu não. Particularmente, eu curto este sentimento tão latino: a saudade. Ora, só sentimos falta do que foi bom. Não conheço viv'alma que lembre com carinho de uma perna quebrada ou da morte da avó.

Mais do que a saudade das passagens marcantes na vida de cada um, considero fascinante como certos momentos unem tanta gente. E poucos fatos unem tantos quanto os esportivos. Ah, o que seria das nossas segundas-feiras sem o jogo de domingo? Mais do que pauta, o esporte é retrato de toda virtude e mazela que configura o ser humano – da corrupção à superação.

Por exemplo, eu sinto saudade do Chicago Bulls dos anos 1990. Melhor dizendo, eu sinto falta das partidas do Michael Jordan pedalando sobre uma passarela invisível antes da enterrada. Ou então, do raciocínio na velocidade da luz, a precisão do arqueiro zen e da frieza de cirurgião antes do arremate nos últimos segundos. Para ele, o relógio sempre foi cúmplice.

Mais perto de nós, eu sinto saudade daquela seleção de basquete liderada pela Hortência e pela Paula. Sinto saudade do Oscar. Sem qualquer cerimônia, o time masculino brasileiro invadiu a corte norte-americana em Indianápolis e os derrotou no seu jogo mais querido. Mal e porcamente comparando, é como se a equipe da Etiópia passasse o rodo em Kaká, Luis Fabiano, Robinho e companhia em pleno Maracanã lotado.

E falando em Maracanã...

Ainda me arrepio só de lembrar daquela falta marcada aos 43 minutos do segundo tempo da decisão do campeonato carioca. Petkovic chutou aquela bola em 2001, mas o grito de gol ecoa até hoje. Assim como ainda tremo ao lembrar do gol de barriga do tricolor Renato Gaúcho, da cabeçada matadora do alvinegro Maurício ou da finalização indefensável do cruzmaltino Cocada.

Eu sinto saudade do futebol do Zico, do Dinamite, do Maradona, do Romário, do Batistuta e de tantos outros que viraram figurinha nos álbuns da Copa. Lembro também de craques que não botaram a bola na rede. Quem? Gustavo Kuerten. Putz, o garoto tirou o tênis dos clubes endinheirados e o instalou nas mesas de bar. O povo passou a discutir o técnico novo do Corinthians e a chave de Roland Garros.

Eu sinto saudade das Olimpíadas de Barcelona 1992. Lembro do arqueiro que acendeu a tocha com uma flecha de fogo. Dizem que ele errou. E também lembro da bola incendiária de Marcelo Negrão, que garantiu a medalha de ouro do nosso vôlei e vingou a geração de Bernard e Montanaro. Mais democrático, o vôlei abraçou a mulherada com uma geração que protagonizou confrontos épicos contra a Cuba. Só não rolava dedo no olho porque tinha uma rede entre Márcia Fu e Regla Torres. Hoje em dia, Cuba não é mais o bicho-papão. Ficou apenas a saudade do nosso vilão favorito. Uma sensação semelhante a que sentimos pelo Darth Vader... ou pelo Alain Prost.

No limite da chatice de velho, a Fórmula 1 de antigamente era muito mais divertida. Era dever cívico acordar cedo em pleno domingo para ver os pegas entre Ayrton Senna, Alain Prost, Nelson Piquet e Nigel Mansell (com aquele bigodão de Freddie Mercury). Depois deles, Schumacher brilhou sozinho e tivemos que aturar o Rubinho por anos a fio.

Tanta coisa óbvia (outras nem tanto) para se sentir falta no esporte. E acho que a nossa geração é muito feliz com as suas lembranças. Meus pais não têm muitas imagens de gols, pontos ou cestas dos ídolos de 1970 ou 1960. São raras imagens sem cor e embaçadas. Nós temos acesso fácil. Basta colocar no youtube o nome do ídolo a qualquer momento. É tão fácil ser nostálgico, que acaba sendo banal. É como foto digital. Antigamente, foto era um evento. Hoje em dia, qualquer celular faz uns 200 retratos com uma resolução bacaninha.

Saudosista? Sim. Romântico? Pra cacete! Aposto que você também tem lembranças esportivas (e afetivas). Divida uma com a gente.

QUAL A MORAL DA HISTÓRIA,
HE-MAN?
Amiguinho, que sentimental. Está na crise dos 30? Daqui a pouco, você resgata os discos do Sergio Mallandro na Oradukapeta. Aliás, a Porta dos Desesperados ainda é um clássico incomparável da TV brasileira. Pronto, já dei a dica para um próximo texto. Enfim, He-Man será curto, grosso, incisivo e paulocoelhiano em sua explanação: conhecer o passado nos ajuda a ver melhor o futuro, mas quem vive de passado é museu e sala de troféus do América FC. Captou ou quer que eu desenhe com legendas coloridas? Amiguinho, evite usar canetas esferográficas abertas no bolso da camisa. Você pode manchar o tecido. Até a próxima!!!

7 comentários:

Navegante disse...

Várias saudades esportivas! Só pra citar algumas:

- Ainda pirralho, ficar acordado na madruga pra ver Fla 3 x o Liverpool
- GP de Suzuka, Senna larga em último, chega em primeiro e ganha mais um mundial
- Pan de 87, irmãos Carvalho ganham medalha de ouro em Caracas (dali me deu a centelha de começar a remar)
- Copa de 82, um time que parecia invencível! Só nao sinto saudade do Paolo Rossi... :)

É, vou ter que escrever sobre isso também...

Ana disse...

Eu sinto falta dos grandes clássicos do jiu-jitsu que incendiavam o Tijuca Tênis Clube e das madrugadas em claro assistindo ao Mike Tyson e ao Popó na Globo! :)

Surfista disse...

ANA, eu lembro dos desafios Jiu-Jitsu x Luta Livre, com o Wallid, o Murilo Bustamante e outras feras.

Rui Santos disse...

Saudade do São Paulo de Telê... e do Rock'n'Rio!

Mariah disse...

eu sinto saudade do saco pardo de supermercado, da bala Soft que sufocava todo mundo, da saia azul marinho da escola pública, do Barbapapa....

Maria disse...

Ficou lindo lindo esse texto, querido.

Eu tô tão coração de manteiga hoje... tô quase chorando aqui, hehehe

beijo!

Surfista disse...

MARIA, obrigado. Eu ando à flor da pele e você fica melosa? Como assim?

DUDU, não tenho lembranças do Mundial de 81 ou da Copa de 82. Inveja branca!

RUINALDINHO, o São Paulo de Telê foi um dos últimos times do futebol romântico. Tinha espírito de time como os de antigamente, isto é, com jogadores com o perfil do clube.

MARIAH, bala Soft era o terror das mães protetoras.