
Já no segundo encontro com Alicinha, eu caminhei no fio da navalha e virei pauta de discussão familiar.
Tudo começou com o dia clareando. Alicinha tirou os sapatos no corredor e entrou em casa como se pisasse em ovos. À primeira vista, não percebeu ninguém e suspirou um pouco mais aliviada. Seu medo era que o cachorro estivesse acordado e viesse fazer festa para recebê-la. Nada dele também. O apartamento estava silencioso e parecia que não haveria problemas.
- Não adianta entrar na ponta dos pés. Eu já te vi.
Alicinha quase engoliu o próprio coração.
- Bom dia, mãe.
- Isso são horas, minha filha? - apareceu o pai sabe-se lá de onde. Nessas horas, todo mundo é ninja.
- Perdi a hora, gente. Desculpa - Alicinha baixou a cabeça e zuniu para o seu quarto. Óbvio que sua mãe foi no seu encalço.
- Filhinha, podemos conversar?
Alicinha gelou, mas como dizer não?
- Claro, mãe.
- Você sabe que eu simpatizei com o Doug, né?
Parêntesis. Conheci a mãe da Alicinha na missa de domingo. Olha que coisa mais “bom rapaz”! Só nesse primeiro contato, minhas ações subiram uma enormidade na cotação da família.

- Sei, mãe.
- Mas, você não acha que está muito cedo para dormirem juntos?
- MÃE!!!
- Filhinha, as meninas estão muito fáceis hoje em dia e você não pode dar assim no segundo encontro.
- Mãe do céu, está me matando de vergonha,
- É que nós te amamos - o pai entrou no quarto. O malandro estava na porta esperando a deixa para entrar em cena. Se fosse um avestruz, Alicinha enfiaria a cabeça no chão e não tiraria nunca mais.
- Gente, não aconteceu nada! A gente estava no apê de amigos e exageramos no vinho. Ele dormiu na sala e eu dormi com minha amiga no quarto. Pai, sai do quarto. Vai assistir Globo Ciência ou Globo Rural ou seja lá o que estiver passando agora!
O pai saiu.
- Meu amor, nós confiamos em você.
- Eu sei, mãe. Por isso mesmo que devem acreditar em mim.
- Mas esse papo é difícil de engolir, hein? Você não aprontou nada?
- Aimeudeus-aimeudeus-aimeudeus...
- Você precisa se preservar. Que graça tem ele comer o lanche antes do recreio?
- MÃÃÃÃÃE!!! De onde você tirou essa? Que papo é esse de lanche e recreio? Eu sou é prato principal.
A mãe se assustou. Alicinha se assustou. Eu, quando ouvi esse relato, me assustei.
Na hora do aperto, a gente fala cada idiotice.
- Alicinha, minha filhota...
- Mãe, vai dormir.
- São sete e meia da manhã.
- Então, vai andar na praia, ler o jornal, fazer ioga... sei lá.
- Filhinha, você não quer tomar um banho antes de dormir?
- Não.

- Por que? Já tomou durante a madrugada?
- Mãe, quer me rachar de vergonha?
- Desculpa, Alicinha.
- Não aconteceu nada, tá? Fica tranqüila. Posso dormir?
A mãe fez que sim com a cabeça e levantou-se da cama.
- Alicinha... - disse ela antes de fechar a porta.
- Fala.
- Vou deixar essas camisinhas aqui na sua mesa, tá?
- MÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃE!!!
E assim, minha boa reputação foi para o ralo.
***
OBSERVAÇÃO DO SURFISTA: Caso a Mãe da Alicinha leia essa crônica, gostaria que ela soubesse que não rolou nada de verdade. Juro!
***

HE-MAN?
Amiguinhos queridos do coração, um dos procedimentos da Campanha é somar pontos com todas as figuras próximas à mulher pretendida. Isso envolve, principalmente, os pais da guria. Imagina se você é pai de uma gatinha e aparece na sua porta um barbado com os espermatozóides se acotovelando como se estivessem na Maratona de São Silvestre (bom, eles não têm cotovelos, mas entenda como se tivessem). Você vai lembrar dos seus tempos de garoto e das meninas que já barbarizou. Sentiu o drama? Então deixe o sogrão dormir em paz. Se você pretende levar o relacionamento adiante, cause uma boa impressão devolvendo a mocinha sã e salva antes de raiar o dia. Com o passar do tempo, você conquista os progenitores e ganha carta branca para seqüestrar a menina por tempo indeterminado. Caso não role uma afinidade com os pais, lembre-se da poesia de Chico Buarque: "Você não gosta de mim, mas sua filha gosta". Amiguinho, evite comer alimentos pesados antes de dormir. Prefira um copo de leite ou de suco. Até a próxima!