quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Crise nas infinitas Irlandas

Veja como é a vida: de uma hora para outra os papéis parecem que se inverteram e os sul-americanos assistem estupefatos à crise de um país europeu. No caso, a Irlanda ganhou toda a atenção dos brasileiros, que acompanham tudo na mais serena paz. Daqui de Dublin, do olho do furacão, eu recebo emails e ligações assustadas. Então vamos esclarecer alguns pontos:

:: A Irlanda não vai sumir do mapa.
:: As pessoas (ainda) não estão saqueando supermercados e depredando lojas.
:: Não uma guerra civil nas ruas.
:: As pessoas não estão passando fome pelos cantos.

Dito isso, vamos a um panorama da situação atual.

Como bom brasileiro, crises não me tiram o sono, pois sobrevivi a uma dúzia delas (ou mais). Nos últimos 25 anos, comprei gibis com cruzeiros, cruzados, cruzeiros reais, URVs e reais. Estou vacinado. No entanto, essa geração de irlandeses parece virgem no quesito crise e está realmente apavorada. É um misto de revolta e orgulho ferido, pois eles nunca precisaram da ajuda do FMI, que é nosso velho conhecido. As pessoas andam tristes e a palavra "recessão" está em qualquer roda de amigos.

No dia 24 de novembro, o Taoiseach (-se -shock) Brian Cowey ficou ainda mais impopular ao anunciar o esperado Plano de Recuperação Nacional. O pacote segue muitas normas do FMI, que exige medidas rígidas antes de liberar o auxílio de sei--quantos-bilhões-de-euros.

Aliás, poucas vezes na vida vi um político tão odiado quanto este menino Brian Cowen. Em cada 10 irlandeses, 11 querem que ele seja enviado para a PQP com uma passagem de ida.

Não sou economista, mas pelo que leio e ouço, sinto que a coisa tende a ficar muito feia na economia irlandesa. Resumidamente e pegando onde aperta, o Plano envolve:

:: Cortes brutais nos planos de assistência aos cidadãos (seguro-desemprego, aposentadoria e auxílio-maternidade).
:: Redução no salário mínimo.
:: Demissão de 25 mil funcionários públicos.
:: Aumentos nos impostos.

Como você pode ver, a Guinness ficou mais amarga por aqui...

Mas e o kiko? Quer dizer, "o-que-que-eu" tenho a ver com isso? Bom, eu e outras dezenas de milhares de imigrantes ou estudantes que estamos na Irlanda vamos dançar outro tipo de Riverdance. Os subempregos que tanto nos ajudam (entenda garçom, auxiliar de cozinha, faxineiro etc) vão continuar existindo, mas com pagamentos menores e com a concorrência direta dos irlandeses, que terão que buscar trabalhos que antes ignoravam. Então, para ser kitchen porter (auxiliar de cozinha), eu tenho que disputar a vaga com chineses, latinos, poloneses e... irlandeses.

Esse cenário é impensável para quem viveu o "boom" da economia irlandesa. Pelo que ouvi de gente que mora aqui alguns anos, as ofertas de emprego eram tão vastas que as lojinhas disputavam mão de obra a tapa. A moçada podia se dar ao luxo escolher onde trabalhar durante o seu intercâmbio. As empresas de TI abordavam possíveis candidatos no aeroporto, tamanha era a necessidade e facilidade para contratar. Pois o menino Brian Cowen fez alguma cagada muito grande, pois o pote de ouro dos duendes esvaziou e passei a ver mais mendigos nas ruas.

Como disse antes, sou brasileiro e as crises não me assombram. que devo me assustar, pois preciso arrumar um subemprego que me sustente por alguns meses e a concorrência ficou mais acirrada. E o que piora é que não tenho experiência como kitchen porter...


QUAL A MORAL DA HISTÓRIA,
HE-MAN?
Amiguinho, como Ph.D em economia, combate à vilania e sexo tântrico, o megapower He-Man pega emprestado uma citação de Adam Smith. Saca : "não é da benevolência do açougueiro, do cervejeiro ou do padeiro que devemos esperar nosso jantar, mas do seu cuidado com o próprio interesse". Tio He-Man explica: a crise existia, mas agora está doendo nos calos irlandeses, pois será sentida nos próprios bolsos. Mas como bons capitalistas, os europeus usarão seus neurônios para encontrar oportunidades dentro da própria atribulação. O tempo e o mercado serão soberanos. Amiguinho, evite acumular papel pela casa. Você ouviu falar em reciclagem? Até a próxima!!!


PS. Taoiseach é uma palavra gaélica. Seria o mesmo que Primeiro-Ministro, mas por questões de orgulho e história, os irlandeses não usam esta palavra.

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